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Investigados por exploração de trabalho análogo à escravidão controlam rede de empresas de serviços na Serra

Dono de pousada e empregador de safristas são parceiros em intermediação de mão de obra, mas também atuam em outros ramos

Humberto Trezzi

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Flávia Terres

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Porthus Jr / Agencia RBS
Centenas de trabalhadores da colheita da uva eram mantidos em uma pousada em condições degradantes

Policiais e fiscais do trabalho que resgataram em Bento Gonçalves centenas de safristas da colheita da uva mantidos numa pousada em condições degradantes, na semana passada, depararam com dois nomes que se repetiam nas queixas dos trabalhadores (quase todos baianos). Um deles é do empresário que contratou eles para atuar nos parreirais: Pedro Augusto Oliveira de Santana, que também é baiano e teria se especializado em providenciar mão de obra barata, formada por conterrâneos, para diversas atividades na serra gaúcha. É chamado pelos nordestinos de "gato" (ou coiote), intermediador de serviços e gente. O outro mencionado é o dono do alojamento onde os homens eram mantidos em condições insalubres (com banho frio, comida ruim e dormitório sujo): Fábio Daros, comerciante conhecido em Bento Gonçalves.

A reportagem percorreu três municípios serranos onde os dois atuam e descobriu que Santana e Daros têm uma característica em comum: versatilidade. Eles mantêm uma rede de empresas que, em alguns casos, se comunicam (como é o caso da pousada que recebe os migrantes). Daros tem também uma revenda de carros e consta no CNPJ como sócio de Santana numa lotérica, tudo em Bento Gonçalves. Daros nega essa sociedade.

A pousada de Daros é o local preferencial de alojamento para os empregados contratados por Santana para atuarem na Serra. O empresário começou a carreira no Sul, há cerca de 10 anos, intermediando trabalhadores na indústria do abate de aves para descarregar os animais dos caminhões. A sua empresa, a Oliveira e Santana Ltda, foi autuada 20 vezes por más condições de trabalho. Esses carregadores substituem outros migrantes cuja mão de obra barata era disputada anos atrás na região: os haitianos e senegaleses. A maioria voltou para seus países de origem. Com isso, os nordestinos viraram os trabalhadores braçais do momento na Serra, assim como indígenas.

De dois anos para cá, Santana investiu na contratação de safristas da uva, conterrêneos seus da região de Valente (Bahia). Para isso fez uso de uma nova empresa, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda (flagrada agora por manter trabalhadores em péssimas condições). Ao ser questionado, disse que é apenas administrador da Fênix, não proprietário. Na razão social, a empresa usa o e-mail da esposa de Santana, Daiane Oliveira Santana — o casal não consta como sócio, porém, a empresa tem sede no mesmo local de outras que eles são sócios e proprietários.

Enquanto a Oliveira e Santana atuava o ano todo, a Fênix se especializou em trabalho sazonal, que é o caso da safra da uva. Ambas suprem a escassez de mão de obra na Serra. À reportagem, as vinícolas declararam ter pago valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas-extras prestadas.

Só que não é isso que os trabalhadores relatam. Em depoimentos ao Ministério do Trabalho e à Polícia Federal, falaram que a promessa era de R$ 3 mil líquidos, banho quente e horas-extras. Em poucos dias depararam com comida rançosa, banho frio, jornadas de trabalho de até 12 horas diárias e endividamento constante para comprar materiais de higiene e alimentos, que eles mesmos tinham de adquirir num mercado indicado pela própria empresa, a preços exorbitantes, porque não lhes foi fornecido nem água para tomar na lavoura. Asseguram ainda terem sido agredidos ao reclamarem das condições de trabalho. Os trabalhadores contaram que eram impedidos de deixar o trabalho em virtude dessas dívidas. E suas famílias que ficaram na Bahia também eram alvo de ameaças.

— Pelo que apuramos na documentação, as vinícolas dizem que pagaram em torno de R$ 6 mil por mês para cada trabalhador, o Santana acertou pagar R$ 2 mil e, no final, eles não receberam nada e se endividaram — resume o gerente do Ministério do Trabalho na Serra gaúcha, Vanius Corte.

Empresas têm os mesmos endereços

A ligação entre a Fênix e a Oliveira e Santana não está apenas no nome dos sócios. As duas empresas têm sede, conforme o CNPJ, no mesmo prédio, no bairro Juventude, em Bento Gonçalves. Num edifício contíguo funcionam outras duas empresas administradas por Santana, na mesma rua: uma prestadora de serviços e uma firma de marketing esportivo. Nesse local, onde deveriam estar essas empresas, fica um templo pentecostal. Contra essas não há registro de irregularidades.

Além das quatro empresas das quais são sócios em Bento Gonçalves, Santana e sua esposa figuram no quadro societário de outras duas empresas situadas no bairro Tamandaré, em Garibaldi: uma fábrica de caixas e embalagens e uma de transportes. No mesmo endereço constam outras duas empresas, que seriam de familiares de ambos, uma de artefatos de madeira e outra, prestadora de serviços. Contra essas também não há registro de irregularidades.

Por fim, Santana e a esposa constam como sócios de uma lotérica na área central de Bento Gonçalves. Desde 2021, o dono da pousada onde foram encontrados safristas contratados por Santana, Fábio Daros, consta como sócio do casal Santana no ponto de venda de loterias. À reportagem, ele negou qualquer sociedade com o casal da Bahia.

Tanto Daros como Santana são investigados, pela Polícia Federal, pelo Ministério do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), por exploração de trabalho análogo à escravidão. Em depoimento no dia em que foi preso e pagou fiança, Santana optou por ficar em silêncio. À reportagem informou que "não tem condições de falar ainda".

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