Uma simulação da perseguição que terminou na morte de Matheus da Silva dos Santos, 21 anos, em Caxias do Sul, é visto como último recurso para descobrir quem disparou o tiro fatal. Feita pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP), a chamada reprodução simulada dos fatos é feita por peritos especialistas que atendem o Estado inteiro. Em razão da alta demanda, ainda não há prazo para a diligência acontecer. Para a Polícia Civil, há cinco suspeitos: quatro guardas municipais e um servidor municipal que possui porte de arma. Santos fugiu de uma barreira policial na Rua Moreira César por não ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e foi baleado na perseguição.
O caso aconteceu na madrugada do dia 6 de junho do ano passado. Responsável pela investigação, o delegado Caio Márcio Fernandes aponta que a simulação é essencial para determinar a conduta de cada um dos envolvidos na perseguição. A tendência é que apenas o autor do disparo fatal seja indiciado por homicídio.
— Na minha percepção, aquele disparo (que matou Mateus), sugere que houve um excesso. Foi desproporcional. Os outros disparos podem ser enquadrados como disparos técnicos, como os tiros contra os pneus e para-choque. Podem ser entendidos no âmbito da legítima defesa ou para evitar a fuga (do suspeito). Atirar na direção da janela do motorista é outra situação — opina o chefe da Delegacia de Homicídios.
Por outro lado, o delegado Fernandes ressalta que são necessários todos os elementos (incluindo a reprodução dos fatos) para avaliar a conduta dos suspeitos. Uma questão jurídica importante é se o delito foi praticado com dolo direto (quando se quer o resultado), dolo eventual (quando se assume o risco de produzir um resultado) ou se foi uma conduta culposa (quando o resultado foi oriundo de negligência, imprudência ou imperícia do responsável). No caso de dolo direto, a pena prevista é de seis a 20 anos de prisão. No homicídio culposo, de um a três anos de detenção.
Procurado pela reportagem, o IGP respondeu que o caso é uma das prioridades do Departamento de Criminalística. Os peritos já fizeram a triagem do material e contato com a Delegacia de Homicídios para conversar sobre o caso. Ainda não há uma data agendada em função da logística específica do caso, que envolve um trecho extenso e muitos participantes para o exame.
— Esta é a última e derradeira diligência. Tudo o que fizemos até agora embasará esta última etapa. Tentaremos reproduzir exatamente todos os fatos, contrapondo todas as versões ouvidas e checando se há confronto ou convergência, inclusive com as provas coletadas. Tentaremos entender o posicionamento de todos, a trajetória dos disparos, além de diversos cálculos. É uma perícia bastante complexa e detalhada — afirma o delegado Fernandes, que gostaria que o exame fosse realizado nos próximos seis meses:
— É algo que foge da nossa alçada. Sabemos que é um setor bastante reduzido (dentro do IGP), com muita demanda. Mas, reiteramos que este é um caso de grande repercussão na cidade e que é aguardado também até pela Corregedoria do município (para sanções administrativas, caso necessárias).
A reprodução simulada dos fatos é feita no mesmo local em que eles aconteceram. Portanto, será necessário acionar a prefeitura e interromper o trânsito na rótula da Rua Ludovico Cavinatto com a Perimetral Norte. Os suspeitos e as principais testemunhas são convidados a participar para auxiliar na reconstrução de cada momento.
Perícia genética em projéteis foi inconclusiva
O relatório pericial apontou que a Parati branca, conduzida por Mateus, foi atingida por pelo menos oitos disparos de arma de fogo. A maioria dos tiros atingiu a lateral e a parte traseira do veículo. Todas as munições apreendidas eram de mesmo calibre — não divulgado pela Polícia Civil.
Santos foi atingido por um único disparo, na cabeça. Como a munição não ficou alojada, a Polícia Civil solicitou uma perícia genética nos projéteis apreendidos dentro do automóvel dele. O exame seria uma prova técnica capaz de identificar de qual arma saiu o tiro fatal — o que é determinante para enquadrar a conduta dos suspeitos em um possível indiciamento. Contudo, o resultado foi inconclusivo.
— Esta perícia voltou recentemente. A perícia foi inconclusiva porque todos os projéteis arrecadados estavam contaminados pelo sangramento da vítima, que respingou. Era uma prova técnica. Agora, tentaremos a reprodução simulada dos fatos. Neste momento, é o último recurso (da investigação) — aponta o delegado Fernandes.
Relembre a perseguição
A perseguição aconteceu na madrugada do dia 6 de junho de 2021. Matheus da Silva dos Santos era o motorista de uma Parati branca e estava acompanhado de dois amigos. Ele caiu em uma barreira policial na Rua Moreira César, mas decidiu fugir por não ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e recear que o veículo ficasse apreendido por multas não pagas, o que foi apontado pelos amigos e familiares durante o inquérito policial.
Com a fuga, diversos agentes municipais que estavam na barreira iniciaram a perseguição. A Parati trafegou por ruas do bairro São José até a rótula da Rua Ludovico Cavinatto com a Perimetral Norte, caminho que leva aos Pavilhões da Festa da Uva, onde o veículo foi cercado.
Uma câmera de segurança gravou essa parte da perseguição, à 00:38:38. As imagens mostram a Parati branca dando marcha à ré com uma viatura da Fiscalização de Trânsito na sua frente. Os dois veículos chegam a se encostar. Em segundos, mais três carros se aproximam e cercam a Parati. Os agentes municipais, então, desembarcam.
O motorista percebeu um espaço entre as viaturas à direita e decidiu continuar a fuga. Para tal, faz uma manobra de ré para tentar escapar. Nesse movimento para trás, a Parati atingiu um guarda municipal, que desembarcava de uma viatura. O vídeo não tem som, mas é possível perceber pelas reações que disparos foram feitos.
Na sequência, os veículos saem do enquadramento da gravação. Poucos metros depois, com Santos já baleado, a Parati bate contra o muro de uma residência na Rua Ludovico Cavinatto e a perseguição termina.
Afastados, guardas municipais alegam legítima defesa
Além do inquérito policial, os quatro guardas municipais envolvidos na perseguição também respondem a um procedimento administrativo instaurado pela corregedoria da prefeitura. Esse procedimento segue em andamento. Desde o ocorrido, os quatro servidores têm trabalhado apenas em atividades internas na Guarda Municipal — prática padrão para não atrapalhar as investigações e estar à disposição das autoridades policiais e da sindicância.
Segundo a Polícia Civil, os guardas municipais alegaram legítima defesa de terceiros para justificar os tiros durante a perseguição e legítima defesa para o momento em que o motorista, supostamente, joga o veículo contra eles.
Os quatro guardas são representados pelos advogados Ivandro Bitencourt Feijó e Maurício Adami Custódio, que se manifestaram por nota:
Os servidores públicos municipais envolvidos na ocorrência policial agiram dentro da técnica policial de abordagem. Os guardas municipais utilizaram do uso progressivo e consciente da força. Estamos confiantes com o resultado das perícias faltantes irão corroborar com o narrado pelos servidores públicos municipais que agiram no estrito cumprimento do dever legal.