Mais de três meses após perseguição que terminou na morte de Matheus da Silva dos Santos, 21 anos, em Caxias do Sul, a investigação ainda aguarda o resultado da perícia. A Polícia Civil solicitou um exame para identificar material genético nos projéteis apreendidos na cena do crime. Essa perícia é essencial, pois poderia identificar de qual arma saiu o disparo fatal. Além dos quatro guardas municipais, que atuam apenas em atividades internas desde o incidente, os investigadores identificaram um quinto suspeito: um servidor municipal que possui porte de arma. Santos havia fugido de uma barreira policial na Rua Moreira César por não ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e acabou sendo baleado.
De acordo com o delegado Vitor Carnaúba, que responde interinamente pela Delegacia de Homicídios, não há elementos que apontem que esse servidor estava armado naquela noite ou que efetuou algum disparo. Ainda assim, a arma dele foi apreendida e encaminhada para perícia.
— Pode-se dizer que foi uma precaução. Identificamos mais de 20 pessoas que estavam no local ou participaram da perseguição, e colhemos o depoimento de todos. Durante as diligências, foi identificado que um dos servidores no local tinha porte de arma e, desta forma, houve essa apreensão posterior (à noite dos fatos, quando as arma dos guardas municipais já haviam sido recolhidas) — explica o delegado.
Veículo foi atingido por pelo menos oito disparos de arma de fogo
O relatório pericial apontou que a Parati branca, conduzida por Santos, foi atingida por pelo menos oitos disparos de arma de fogo. A maioria dos tiros atingiu a lateral e a parte traseira do veículo. Todas as munições apreendidas eram de mesmo calibre — não divulgado pela Polícia Civil.
Santos foi atingido por um único disparo na cabeça. Como a munição não ficou alojada, a perícia genética nos projetis apreendidos seria a única prova técnica de identificar de qual arma saiu o tiro fatal — o que é determinante para enquadrar a conduta dos suspeito em um possível indiciamento.
— Foram recolhidos fragmentos e alguns projéteis bem preservados. Se tiver o material genético da vítima, fica mais fácil identificar de qual arma saiu. Solicitamos urgência nessa perícia, mas ainda não retornou. Não podemos deixar de levar em consideração que o projétil (que atingiu Santos) pode ter escapado do veículo, pois um vidro estava entreaberto e outro vidro estava estilhaçado — comenta o delegado Carnaúba.
Caso a perícia técnica não ajude, a origem de cada tiro será refeita com base nos depoimentos e nas diversas imagens de câmera de segurança recolhidas pela investigação. Por isso, a Delegacia de Homicídios deve solicitar uma reprodução simulada da perseguição. A reconstrução dos fatos ajudará a esclarecer cada momento, desde a fuga da barreira policial até o desfecho na Rua Ludovico Cavinato.
Contudo, essa reprodução só é realizada por peritos de Porto Alegre, que atendem o Estado inteiro e não teria prazo para acontecer. Por exemplos recentes da Serra, a reconstrução de um crime pode levar anos — o que também explica a diminuição do pedido desse tipo de prova nos processos.
Relembre a perseguição
A perseguição aconteceu na madrugada do dia 6 de junho. Matheus da Silva dos Santos era o motorista de uma Parati branca e estava acompanhado de dois amigos. Ele caiu em uma barreira policial na Rua Moreira César, mas decidiu fugir por não ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e recear que o veículo ficasse apreendido por multas não pagas, o que foi apontado pelos amigos e familiares durante o inquérito policial.
Com a fuga, diversos agentes municipais que estavam na barreira iniciaram a perseguição. A Parati trafegou por ruas do bairro São José até a rótula da Rua Ludovico Cavinato com a Perimetral Norte, caminho que leva aos pavilhões da Festa da Uva, onde o veículo foi cercado.
Uma câmera de segurança gravou essa parte da perseguição, às 00:38:38. As imagens mostram a Parati branca dando marcha à ré com uma viatura da Fiscalização de Trânsito na sua frente. Os dois veículos chegam a se encostar. Em segundos, mais três carros se aproximam e cercam a Parati. Os agentes municipais, então, desembarcam.
O motorista percebeu um espaço entre as viaturas à direita e decidiu continuar a fuga. Para tal, faz uma manobra de ré para tentar escapar. Nesse movimento para trás, a Parati atingiu um guarda municipal, que desembarcava de uma viatura. O vídeo não tem som, mas é possível perceber pelas reações que disparos foram feitos.
Na sequência, os veículos saem do enquadramento da gravação. Poucos metros depois, com Santos já baleado, a Parati bateu contra o muro de uma residência na Rua Ludovico Cavinatto e a perseguição terminou.
Afastados, guardas municipais alegam legítima defesa
Além do inquérito policial, os quatro guardas municipais envolvidos na perseguição também respondem a um procedimento administrativo instaurado pela corregedoria da prefeitura. Esse procedimento segue em andamento. Desde o ocorrido, os quatro servidores têm trabalhado apenas em atividades internas na Guarda Municipal — prática padrão para não atrapalhar as investigações e estar à disposição das autoridades policiais e da sindicância.
Segundo a Polícia Civil, os guardas municipais alegaram legítima defesa de terceiros, para justificar os tiros durante a perseguição e legítima defesa para o momento em que o motorista, supostamente, joga o veículo contra eles.
Os quatro guardas são representados pelos advogados Ivandro Bitencourt Feijó e Maurício Adami Custódio, que se manifestaram por nota:
Os servidores públicos municipais envolvidos na ocorrência policial agiram dentro da técnica policial de abordagem. Os guardas municipais utilizaram do uso progressivo e consciente da força. Estamos confiantes com o resultado das perícias faltantes irão corroborar com o narrado pelos servidores públicos municipais que agiram no estrito cumprimento do dever legal.