Por mais que o transporte ferroviário de passageiros tenha sido extinto no Brasil há décadas, a memória ainda permanece. Na Serra, a forma mais conhecida de mantê-la viva é a Maria Fumaça, de Bento Gonçalves. Porém, há mais estações espalhadas pela região e que carregam a lembrança de quando a vida cotidiana passava pelos trilhos. Há aquelas que foram restauradas, como a Nova Vicenza em Farroupilha. Mas, também há casos em que o patrimônio histórico está em estado de abandono, como no bairro Desvio Rizzo, em Caxias do Sul.
Estação do Desvio Rizzo descaracterizada
A história da estação do bairro Desvio Rizzo, iniciada em 1938 em Caxias, está em ruínas. Inaugurada para atender o Frigorífico Rizzo, teve os últimos passeios no início dos anos 1990. Hoje, a estação está com as paredes danificadas, sem telhado e com o interior repleto de lixo. Desde 2011, há um termo assinado entre a prefeitura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para preservação da linha férrea e patrimônio ferroviário.
Conforme a secretária municipal do Planejamento, Margarete Bender, existe um projeto para o restauro e a preservação da subestação do Desvio Rizzo. Porém, a prefeitura aguarda que a União termine uma adequação jurídica para repassar definitivamente a área ao município, por cessão ou doação. Desde que a linha ferroviária brasileira foi extinta, todo o patrimônio foi repassado ao Iphan, que precisa realizar as transferências para que administrações municipais assumam a gerência das áreas.
— A ideia do município é naquele espaço promover um processo de integração enquanto Parque Linear (projeto que envolve todas estações de Caxias). Inclusive, nós repassamos para a União a intenção de transformar esse espaço nessa condição através de ciclovias. Ou seja, espaços voltados ao lazer, à cultura e à mobilidade em si — descreve Margarete, informando que teve reunião com a Secretaria de Patrimônio da União na quinta (10).
Quem chamou atenção para o estado do patrimônio, na Câmara de Vereadores, foi a vereadora Gladis Frizzo (MDB), que também tem um projeto para revitalização do espaço. A parlamentar lamenta a deteriorição do imóvel histórico:
— A vontade de poder conservar é porque conta a nossa história. É um prédio muito bonito. Uma pena que está em ruínas e cheio de lixo.
A Secretaria de Patrimônio da União e o Iphan não responderam à reportagem sobre o prazo para ceder o espaço para prefeitura.
Situação similar em Nova Sardenha
No interior de Farroupilha, o prédio na comunidade de Nova Sardenha, construído em 1910, também está abandonado. A reportagem passou pelo local. Fechado por uma cerca, o patrimônio está em ruínas. De acordo com a assessoria de imprensa do município, há um projeto de restauro que deve ser enviado para licitação em breve.
Família preserva imóvel em Forqueta
Em outro ponto da linha férrea de Caxias, a estação segue preservada. O imóvel foi construído para receber a chegada do primeiro trem na cidade, em 1910. Em Forqueta, a estrutura tornou-se casa da família Grapilha há mais de 40 anos. Com o fim das viagens, o imóvel foi mantido e uma mecânica foi aberta nos fundos. Como conta Maicon Grapilha, 36 anos, o pai, Romeu, trabalhava na Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) em Vacaria, quando foi transferido para o ponto caxiense. Aquele tempo vive apenas na memória de Maicon, que nasceu e cresceu na área:
— Corri bastante nesses trilhos.
Conforme a secretária de planejamento, o município neste momento atua para garantir que não ocorra a descaracterização arquitetônica da estação. Também há um projeto de recuperação da área, que faz parte do plano do Parque Linear.
Obras paradas no Largo da Estação Férrea
O plano da prefeitura de Caxias é ter o Parque Linear, que segue da estação central até Forqueta. Mas para avançar nas obras outras áreas além da subestação do Desvio Rizzo precisam ser repassadas pela União, conforme a secretária Margarete Bender. Enquanto isto não ocorre, o município trabalha naquelas áreas em que já tem domínio, como a Praça do Trem e a Praça das Feiras, já revitalizadas, e o Largo da Estação Férrea, que aguarda o chamamento de nova empresa para obras de revitalização.
Os trabalhos chegaram a iniciar na área central neste ano, mas a empresa vencedora de licitação abandonou a obra. Após a paralisação dos trabalhos e a rescisão do contrato com a empreiteira responsável pela revitalização da Estação Férrea, a prefeitura de Caxias agora trabalha com outro modelo de contratação das obras. A ideia é dividir o projeto em no mínimo quatro partes e contratar uma empresa especializada em executar cada uma delas.
Após esta área, o próximo passo é iniciar obras no trecho que está atrás do quartel do 3º Grupo de Artilharia Antiaérea (3º GAAE) e segue até a Perimetral.
— Nós temos um nó, que é o grande problema na execução desse trabalho como um todo, que são três núcleos ou espaços dos trilhos que foram invadidos com ocupações irregulares. Ali tem cerca de 800 famílias e que, inclusive na reunião (com a União), foi tratado da condição do município buscar viabilizar o reassentamento, ou alguma coisa nessa ordem, exatamente para poder implementar esse projeto que nós chamamos de Parque Linear — explica a secretária.
Imóvel em recuperação em Carlos Barbosa
Em Carlos Barbosa, o projeto para revitalização de uma estação está em andamento. O patrimônio histórico será transformado num centro de cultura, que terá um memorial sobre o trem. Como explica o diretor-presidente da Fundação de Cultura e Arte - Proarte, Eliseu Demari, a história da linha férrea marca a cidade, que desenvolveu-se ao redor da estação central, construída em 1909. Dali, surgia o movimento, o transporte de cargas e serviços, como a comunicação por telégrafo.
— A história do trem se manteve no imaginário da comunidade. Pessoas que lembram, que faziam as viagens, ou pessoas cujo os pais ou avós contavam que faziam as viagens. Na verdade, o desenvolvimento de Carlos Barbosa se deu pelo trem. Se não fosse a estação, seria ali talvez uma comunidade pequeninha — lembra Demari, observando que o brasão de Carlos Barbosa tem um trem.
O transporte não chega no Centro há 40 anos, mas a Maria Fumaça ainda desembarca na subestação na entrada do município. Até 2017, o imóvel central era usado como sede para Secretaria do Turismo e para o cinema. Na revitalização, haverá um auditório para uso cultural, como o projeto de um cineclube, e o memorial.
No momento, a obra está na fase estrutural, que deve terminar no primeiro semestre de 2024. O recurso para esta etapa, de R$ 3,9 milhões, veio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Segundo Demari, uma nova captação será feita para parte elétrica, iluminação, climatização e Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI). Assim, a expectativa é de ter a estação restaurada no fim do ano que vem.
— A estação é o coração histórico e afetivo da cidade — define Demari.
História resgatada em Farroupilha
Na Serra, uma estação restaurada é a de Nova Vicenza, em Farroupilha. Em 2017, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) local venceu licitação da prefeitura para o projeto de ocupação do imóvel histórico, datado de 1909. Com investimento de R$ 1,2 milhão, entre recursos públicos e da iniciativa privada, o ponto que fazia parte da viagem entre Caxias e Montenegro teve a história resgatada. No imóvel funciona uma biblioteca, um memorial e um restaurante. Ele também recebe estudantes do município para oficinas patrimoniais.
— Nossa cidade começou a ser povoada, começou a ser criada, a ter comércio no momento em que foi criada a estação férrea. É um ponto bem importante em que conseguimos manter viva a história da nossa cidade — afirma a gerente executiva da CDL Farroupilha, Alessandra Chiele.
Como conta Alessandra, a preservação na estação, com arquitetura que remete à original, é diária até por conta dos cuidados especiais necessários, já que a obra é um restauro.