O caso de um homem de 24 anos vítima de um disparo por arma de fogo no último final de semana na Estação Férrea, em Caxias do Sul, trouxe de volta a preocupação dos moradores do bairro São Pelegrino com a falta de segurança em uma das áreas mais conhecidas da cidade. Depois de quase um ano e meio sem ocorrências e perturbações, quem mora no local relata movimentação intensa de pessoas, carros e motos e som alto durante a noite e a madrugada entre quintas-feiras e sábados. Um problema antigo e que aguarda há anos por soluções do poder público.
A administração municipal afirma que possui medidas a curto, médio e longo prazos para amenizar o problema na região. Segundo a prefeita em exercício Paula Ioris (PSDB), após o caso do último final de semana, a orientação repassada para a Guarda Municipal e Fiscalização de Trânsito é intensificar o patrulhamento na região a partir deste final de semana. A Brigada Militar (BM) também estará envolvida na ação, conforme o major Wagner Carvalho dos Santos, subcomandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12ºBPM) de Caxias do Sul.
De acordo com Paula, a força-tarefa entre os órgãos ocorre na cidade desde o retorno das atividades de entretenimento, mas que focará na Estação Férrea nos próximos finais de semana, principalmente. O problema da falta de efetivo segue como a principal justificativa para a não realização de ações no local. Por isso, a instalação de um posto policial na região, principalmente para a Guarda Municipal, é descartada pela administração.
— Pedimos agora um olhar mais específico para essa região, que sabemos dos problemas e eles são históricos. Ao mesmo tempo, com o efetivo que temos, não podemos deixar outras áreas da cidade sem atenção — afirma Paula, que, como vereadora entre 2017 e 2020, liderou a Comissão de Segurança Pública e Proteção Social do Legislativo caxiense.
Além do reforço da presença dos órgãos de segurança na rua, a prefeita destaca que a prefeitura de Caxias do Sul deve lançar em breve o edital para a aquisição e instalação de 80 câmeras de segurança na cidade, o chamado cercamento eletrônico. Paula afirma que o termo de referência foi finalizado e aguarda ajustes antes de ser lançado. A localização das câmeras contemplará as ruas do entorno da Estação Férrea, interligando o sistema de câmeras a uma central de monitoramento.
Para o futuro, o projeto de revitalização da Estação Férrea, que ganhou força na última semana após ser contemplado com recursos do governo do Estado, é visto como a medida que mais tem condições de solucionar os problemas da insegurança na região. A iniciativa, avaliada em cerca de R$ 5 milhões, contempla mobiliário urbano, jardim, fonte de água, revitalização da esplanada da estação, da Rua Augusto Pestana, a construção de uma concha acústica com arquibancada que utiliza o declive do terreno e a construção de banheiros. A iluminação do local também está prevista para ser reforçada.
— Entendo que estamos com um problema quando tratamos a segurança apenas com a questão de polícia. Por isso, esse projeto de revitalização é o maior presente que podemos dar para a comunidade. Vai intensificar o turismo, dar mais condições para as pessoas usarem aquele espaço e, claro, ajudar a levar mais tranquilidade para quem mora ali — destaca Paula.
Segundo ela, os próximos passos são a execução dos projetos executivo e arquitetônico antes de lançar a licitação para a contratação da empresa que realizará as obras. O convênio com o Estado prevê que os trabalhos iniciem em até um ano após a assinatura da parceria. Ou seja, precisam ganhar ritmo ao longo de 2022.
Vítima segue hospitalizada em Caxias
O homem de 24 anos baleado no último sábado (22) segue hospitalizado em Caxias do Sul. Segundo o boletim de ocorrência, o caso foi registrado por volta das 5h na Rua Dr. Augusto Pestana. Conforme informações repassadas para a BM, o homem teria se envolvido em uma briga e, posteriormente, foi alvo de um tiro efetuado por um motociclista. Ainda de acordo com a BM, a vítima foi socorrida ao hospital em estado estável e o autor do disparo fugiu.
A investigação do caso está sob responsabilidade do delegado Caio Márcio Fernandes, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Segundo ele, a vítima não pôde ser ouvida pela polícia em razão do estado de saúde estável e dos medicamentos.
— Como foram vários ferimentos, o estado de saúde é delicado e ainda sem condições de verbalizar algo — afirma.
Na última semana, imagens das câmeras de segurança na Estação Férrea foram solicitadas para ajudar nas investigações e localizar testemunhas que possam auxiliar a polícia a entender os fatos ocorridos antes da ação.
“É carro acelerando, gritaria na rua”, relata morador da Estação Férrea
Dois moradores, que pediram para não serem identificados, procuraram a reportagem do Pioneiro na última semana para relatar a falta de tranquilidade na região. Um deles, uma mulher, reclama do barulho provocado pelos carros estacionados na rua e também das casas noturnas e dos bares instalados no local – que é conhecido por ser um ponto de entretenimento na cidade. Ela relata que tem até mesmo o contato dos responsáveis pelos estabelecimentos e solicita, gentilmente, a cada semana, que o som seja diminuído. O pedido é atendido por alguns instantes, mas acaba retornando mais tarde.
— Não consigo descansar. Está muito quente e não posso abrir a janela para entrar um vento. Comprei uma tela de mosquito, mas gastei dinheiro à toa porque a janela passa o tempo todo fechada — afirma.
Segundo ela, o som alto inicia na quinta-feira à noite. Na sexta e no sábado, o barulho ganha a companhia de carros estacionados na Rua Dr. Augusto Pestana, no trecho entre a Marechal Floriano e a Coronel Flores. Desde 2019, é proibido estacionar no local entre 23h e 6h. Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) informou que vai intensificar as rondas na Estação Férrea.
Ao longo dos anos, incluindo os últimos meses após o retorno das atividades, ela coleciona contatos e protocolos feitos na prefeitura. Buscou soluções com as secretarias municipais de Urbanismo e do Meio Ambiente, mas sem sucesso. Ao contatar a BM, é informada que a demanda precisa ser repassada para a prefeitura.
— Um empurra para o outro. Não entendo porque depois de tanta reclamação e tantos problemas ainda segue na mesma. Como nunca deu em nada, muitos moradores desistiram de reclamar e parece, para a prefeitura, que não existe mais o problema. Fico somente eu fazendo esse papel e buscando soluções. Ninguém mais quer gastar o pouco tempo que tem indo atrás de algo que ninguém faz alguma coisa — lamenta.
Quem também reclama é um morador da Rua Olavo Bilac, que mora na Estação Férrea há 20 anos. Segundo ele, a movimentação e o barulho do som no retorno das casas noturnas, a partir de novembro, começou de forma tranquila, mas vem crescendo e chegou ao pior momento, conforme ele, na semana passada. O morador também diz que tem procurado os órgãos públicos e a BM, mas não consegue respostas. Com essa movimentação, de acordo com ele, a insegurança no local voltou a preocupar.
— Tivemos quase dois anos de sossego. E, agora, desde o final do ano passado, parece que voltou para compensar esse período sem festas. O som dos carros começa às 10 da noite e vai madrugada adentro. É carro acelerando, gritaria na rua. Na quinta é até aceitável, mas na sexta e no sábado fica impossível. A vontade que dá é de ir dormir em outro lugar — relata.
O presidente da Associação de Moradores do bairro São Pelegrino (Amob), Alexandre Tres, conta que tem recebido reclamações da comunidade sobre a falta de segurança no bairro. Na titularidade da Amob há menos de dois meses, ele pretende discutir com os órgãos públicos quais medidas podem ser feitas para solucionar o problema.
— Acho que falta mais inteligência entre os órgãos de segurança. Mas sabemos que no último sábado à tarde teve furto de fiação elétrica na Augusto Pestana e uma cafeteria também foi assaltada. Deixa quem mora e quem trabalha com muita insegurança — relata.
Tumultos, brigas e até mortes foram registradas nos últimos sete anos na Estação
Os problemas de insegurança na Estação Férrea são antigos e mobilizaram nos últimos anos forças-tarefas, reuniões entre órgãos de segurança e poderes Executivo e Legislativo e até mesmo um abaixo-assinado dos moradores e enviado ao Ministério Público. Sem movimentação intensa na região desde o início da pandemia e retornando agora à normalidade, o receio da comunidade é que novos casos de violência ocorram nos próximos finais de semana e também durante o feriado de Carnaval.
— Estamos alertando para essa perturbação durante os finais de semana. Nesse último, ficou evidente que até mesmo pessoas armadas frequentam o local. Daqui a pouco começa bala perdida e mais casos de violência, como era em anos anteriores — relata uma moradora da Estação Férrea.
Os registros da falta de segurança na região começaram a repercutir com mais intensidade a partir de 2015. Um homem foi morto em março daquele ano com um tiro na nuca em frente à uma casa noturna. Naquela época, a Brigada Militar reconhecia que a região concentrava casos de crimes envolvendo tráfico de drogas e porte ilegal de armas, além de casos de perturbação. No ano seguinte, um tiroteio na região deixou uma pessoa ferida com um tiro nas costas e também um jovem foi esfaqueado durante uma briga.
Os casos ficaram mais graves a partir de 2017. Em janeiro daquele ano, Guilherme Yuri Padilha, 19 anos, foi morto com uma facada após uma briga no local. Como resposta, o poder público iniciou uma força-tarefa permanente na Estação Férrea, mas descontinuada menos de um ano depois sob a justificativa de falta de efetivo. Naquela época, a Guarda Municipal tinha uma equipe fixa na Estação Férrea, nas madrugadas, finais de semana e em vésperas de feriados.
Nos anos seguintes, novos tumultos preocuparam. Em dezembro de 2018, a aglomeração de jovens terminou com uma viatura da Brigada Militar danificada após os policiais irem até o local averiguar uma denúncia de perturbação. Uma garrafa atingiu e amassou a porta dianteira de uma viatura. A partir daquele ano, como resposta, a prefeitura proibiu o estacionamento de veículos durante a noite e madrugada na Rua Dr. Augusto Pestana, entre as ruas Coronel Flores e Marechal Floriano.
Em janeiro de 2019, um evento chamado pelas redes sociais reuniu milhares de adolescentes e terminou com brigas, feridos e dispersão pela Força Tática da Brigada Militar (BM) na Estação. Os últimos casos ocorreram em fevereiro de 2020. Naquele ano, durante o feriado de Carnaval, a Brigada Militar usou bombas de efeito moral para dispersar uma briga generalizada na Estação Férrea. Segundo a BM, após a ação, foram registrados atos de vandalismo, como queima de contêineres, depredação de paradas de ônibus e trancamento de vias.