Ter um momento dedicado a mulheres vítimas de violência, alguém para as escutar, orientar e ajudarem a cuidar de si mesmas. Assim foi a ação de Atendimento Humanizado promovida em Caxias do Sul na manhã desta segunda-feira (30). O evento que marca o encerramento do Agosto Lilás, mês dedicado ao enfrentamento da violência doméstica, realizado na sede da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).
Lá, as mulheres tiveram acesso a atendimentos jurídicos e psicológicos, mas também a sessões de barras de access — terapia corporal que consiste na manipulação de pontos na cabeça —, a reiki e a manicure, para ajudar a resgatar a autoestima. Entre os serviços, puderam tirar dúvidas jurídico-criminal com a promotora de Justiça Letícia Ilges e sobre divórcio, regulamentação de pensão alimentícia e guarda com o Serviço de Assistência Jurídica Gratuita (Saju) da UCS. O plantão psicológico ficou por conta da Clínica Conatus e o plantão social com a prefeitura de Caxias do Sul.
A atividade que também faz parte da comemoração dos 15 anos da Lei Maria da Penha, foi promovida pela Deam em conjunto com o Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Gepevid) do Ministério Público (MP).
— A parte criminal, sozinha, não é nada. É preciso fazer mais. Pensamos em promover um dia diferente, que seria ideal ocorrer para elas todos os dias, um momento para que elas percebam que têm onde buscar ajuda — explica a delegada da Deam, Aline Martinelli.
Vários órgãos, entidades e prestadores de serviços ajudaram a realizar o evento.
— Sabemos que é preciso ajudar as mulheres a resgatar não apenas o sustento, mas também o emocional e autoestima delas — ressalta Aline.
Violentômetro: violência se mede!
Na entrada da delegacia estavam à disposição das mulheres que buscaram atendimento nesta segunda-feira blocos na cor lilás, com a inscrição na capa "A vida começa quando a violência acaba". Consta também uma homenagem a duas mulheres marcantes de Caxias do Sul: Maria de Lourdes Magnabosco Horn e Aracy Sehbe.
Também foi entregue no formato de marca texto um material chamado Violentômetro: violência se mede! Dividido em cores e com nomes ele orienta as mulheres sobre identificar sinais e como e onde buscar ajuda. O primeiro item se chama Perceba os Sinais. Nele consta o seguinte: fazer piadas ofensivas, chantagear, mentir e enganar, ignorar e desprezar, ciúmes doentio, culpar e ridicularizar e ofender.
No segundo Procure Ajuda, onde há controlar e proibir (amigos, família, dinheiro, lugares, roupas, celular), destruir bens materiais, intimidar e ameaçar, confinar e prender, xingar, machucar, empurrar, golpear e chutar. Já o terceiro se chama Perigo! Esse é para os casos de ameaças com objetos ou armas, atentar à vida, forçar relação sexual, abusar sexualmente, violentar e mutilar. Em preto o último item é o Feminicídio. Na parte de trás constam todos os telefones da rede de apoio onde a mulher deve buscar ajuda.
Para a psicóloga do Gepevid, Karen Netto, esse material e os eventos são importantes para que as mulheres percebam que correm risco e quais são eles. Ela trabalhou na Deam onde aplicava o Formulário de Avaliação de Risco de Violência Doméstica e Familiar.
— Esse formulário classifica o risco que a mulher corre, e com base nele se pede medida protetiva. Há muitos caso em que a mulher chega para registrar ocorrência sem se dar conta da gravidade da situação que ela vive. Ela minimiza o risco e não percebe que a vida dela está em perigo — afirma a psicóloga.
Com base nesses questionários criaram o Violentômetro:
— Avaliamos os indicadores, a escalada e gravidade da violência e o tempo entre cada agressão. Ao aplicar o questionário elas respondem e então nomeamos para elas todas as violências que sofrem e explicamos que há a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Assim ela entende o que sofre no dia a dia. Saber onde e como buscar ajuda é essencial — ressalta Karen.
Recuperar a autoestima
Para as voluntárias Cleusa Silveira Leite e Uly Palhano é essencial que a mulher encontre conforto, se sinta acolhida e resgate a autoestima. Pelo menos oito mulheres vítimas de violência procuraram a Deam para marcar uma sessão de barras de access. Outras chegaram para registrar boletim de ocorrência e aceitaram ser atendidas antes de prestar depoimento. Nenhuma quis falar com a reportagem.
Cleusa conta que já participou de uma ação semelhante em 2019, na Central de Polícia:
— No primeiro momento, eu fiquei chocada com o número de mulheres que buscava a delegacia para registrar ocorrência. A primeira menina que atendi estava toda machucada. Ela aceitou o atendimento antes de prestar o depoimento. É um momento de vulnerabilidade. Ela se entregou à terapia e dormiu.
Ela conta que a ideia é que as mulheres se sintam seguras e confortáveis para relatar o que aconteceu:
— Elas ficam quietinhas, se aceitam se entregam e encontram tranquilidade e alívio para contar o que passaram.
Uly Palhano também decidiu ajudar para que as mulheres se sintam acolhidas:
— Quando uma mulher sofre agressão ela perde a autoestima, se anula e não sabe mais quem é e do que gosta. Com atendimento psicológico ela passa a se conhecer e melhora de dentro para fora e esses cuidados com cabelo, unhas, roupas ajuda a se redescobrir, a reencontrar a autoestima.
Informar ajuda a buscar ajuda
A Coordenadora do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) de Caxias, Joceli Aparecida de Queiroz, acredita que informação é sempre uma ferramenta capaz de promover mudanças para as vítimas de violência.
— Todas as atividades que envolvem as instituições agregam, porque a sociedade precisa dessa informação. Nós somos multiplicadores e assim as mulheres que sofrem violência e nem sempre sabem onde buscar ajuda encontra uma saída.
Ela ressalta que um dos maiores problemas é a questão financeira, mas o emocional abalado também dificulta.
— A mulher que sofre violência está destruída. Quando ela começa a recuperar a autoestima ela passa a vencer o medo — acredita.
Mudança de viés na Polícia Civil e criação de um grupo especial pelo Ministério Público
O delegado regional, Cléber dos Santos Lima, participou da abertura do evento. Ele ressalta que há uma mudança no viés da Polícia Civil:
— Claro que a Polícia Civil é um órgão de repressão a violência, mas hoje precisa também do acolhimento. É uma necessidade social que assim seja. Quando nos engajamos nessa luta para combater a violência sabemos que as vítimas precisam não apenas o criminal, mas se sentir acolhida. Ter a dignidade restabelecida. Por isso vamos segui com a qualificação e preparo dos nossos policiais para esse atendimento.
A promotora Carla Carrion Frós, designada como coordenadora do Gepevid, ressalta que a criação do grupo em 20 de agosto deste ano é justamente para intensificar a prevenção deste tipo de violência.
— O que faz valer a lei Maria da Penha é o trabalho preventivo. Com o grupo vamos intensificar prevenção, trabalhar próximo as redes de proteção nas cidades do Estado e das vítimas de violência. A união e integração entre a rede é de extrema importância.
Ela finaliza:
— Vamos poder ir até as cidades e auxiliar os colegas que atuam na ponta, muitas vezes, com sobrecarga de trabalho e que por isso não conseguem atuar efetivamente na prevenção, o que sabemos ser o mais importante. Que possamos acolher cada vez mais essas mulheres
Debate sobre representatividade política encerra ciclo de painéis do “Agosto Lilás” na terça
Para encerrar a programação do Agosto Lilás, está programado um encontro virtual, promovido pela Procuradoria Especial da Mulher (PEM) da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. O tema do último encontro será "mulheres e a representatividade política". A live começa por volta das 19h desta terça-feira (31) e contará com a participação das painelistas Paula Mascarenhas (PSDB), prefeita de Pelotas, e Marisa Formolo (PT), ex-vice-prefeita de Caxias do Sul (1997-2000) e ex-deputada estadual (2006-2014).
O painel terá a mediação da vereadora Tatiane Frizzo (PSDB), autora da lei que instituiu o mês de agosto para a promoção e conscientização pelo fim da violência contra a mulher. O público poderá conferir a live pelo Facebook da parlamentar (www.facebook.com/VereadoraTatianeFrizzo) e da Câmara Municipal (www.facebook.com/camaracaxias). Além de Tatiane Frizzo, integram a PEM, Gladis Frizzo (MDB), Estela Balardin (PT) e Denise Pessôa (PT) e Marisol Santos (PSDB).
ONDE BUSCAR AJUDA
:: Patrulha Maria da Penha: (54) 98423-2154 (o número está disponível para ligações e mensagens de WhatsApp)
:: Central de Atendimento à Mulher: telefone 180
:: Brigada Militar: telefone 190
:: Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (54) 3220-9280 ou 197
:: Ministério Público: (54) 3216-5300
:: Defensoria Pública (54): 3228-2298
:: Coordenadoria da Mulher: (54) 3218-6026
:: Centro de Referência da Mulher: (54) 3218-6112 ou (54) 98403-4144
:: Saju (UCS): (54) 3218-2276
:: Sala das Margaridas: atende na Central de Polícia, onde funciona a Delegacia de Pronto-Atendimento, na Rua Irmão Miguel Dario, 1.061, bairro Jardim América. O atendimento especializado funciona 24 horas.