Lágrimas, medo, desespero e dor. Histórias de relacionamentos abusivos, ameaças, agressões físicas e verbais. Esse é o cenário do dia a dia em uma das principais delegacias de Caxias do Sul. A cada relato na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) uma certeza: a violência atinge todas as etnias e idades, não escolhe classe social, nem escolaridade. Ela também machuca, humilha e mata. Diariamente, a delegacia é palco para pedidos de socorro por uma vida mais digna.
— Acredito que a Deam é uma Delegacia diferenciada, que merece um olhar muito mais acolhedor e um atendimento especializado — ressalta a delegada Aline Martinelli.
Leia mais
Jovens adultas, brancas e cristãs: o perfil das vítimas de violência doméstica em Caxias do Sul
Por mês, mais de 100 mulheres são atendidas por violência doméstica em Caxias
Feminicídios dobram no Nordeste gaúcho, mas outros índices de violência doméstica têm redução no semestre
Em Caxias do Sul, campanha incentiva denúncia de vizinhos em combate à violência doméstica
À frente da Deam desde 13 de outubro, Aline, 37 anos, ressalta que o desafio é atuar de forma integrada com as demais instituições, porque o combate à violência contra a mulher exige ações interligadas de todos os órgãos:
— As mulheres precisam ser informadas de seus direitos e deveres. Elas precisam ser incentivadas a denunciar, é possível fazer um atendimento mais acolhedor desde o atendimento inicial, que ocorre no balcão das delegacias. O encaminhamento para outras áreas da rede pública e privada como hospitais e centros de referência por meio de parcerias e protocolos de atendimento já estabelecidos também é essencial.
Natural de Santa Rosa, ela nasceu em 26 de outubro de 1982. É graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo e tem duas pós-graduações, uma pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a outra pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Aline é Mestre em Criminologia na Universidade Fernando Pessoa do Porto, em Portugal. Ela atuou como advogada e juíza leiga conciliadora junto ao Poder Judiciário gaúcho, além de ministrar aulas e palestras na área de Direito Penal.
— Ingressei na Polícia Civil em dezembro de 2008 e tive como primeira lotação a Delegacia de Santa Bárbara do Sul. Sempre amei o Direito, em especial o Direito Penal e desejei ser Delegada de Polícia, cargo que conquistei aos 26 anos — conta.
Depois ela também atuou no Litoral e na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de Caxias do Sul, onde ouvia inúmeros relatos de mulheres agredidas em busca de ajuda e amparo. O mesmo ocorria em Flores da Cunha, onde ela esteve à frente da DP por 11 anos e cinco meses.
— Flores da Cunha é uma cidade que guardo no coração, e lá trabalhei, também com delitos de violência doméstica e familiar — destaca ela.
Agora na Deam, a delegada pretende estreitar ainda mais os laços com órgãos da sociedade civil, da Brigada Militar e Jurídicos que tenham essa mesma finalidade. Para isso, certos trabalhos devem ser intensificados.
— Com o diálogo entre as instituições e a atuação em conjunto o combate a violência será fortalecido.
Violência Doméstica e Atuação Policial
Antes mesmo de assumir o comando da Deam, a delegada escreveu o livro Violência Doméstica e Atuação Policial, que será lançado online em função da pandemia. O lançamento está agendado para novembro, mas só livro já está à venda na Editora D'Plácido. O livro trata da luta histórica das mulheres em busca de direitos e de igualdade para que não seja apenas formal. Também aborda aspectos relacionados ao atendimento das mulheres vítimas de violência desde que o crime ocorreu, especialmente, por parte dos agentes policiais até a investigação dos delitos:
— O que me inspirou a escrever o livro foi a luta das mulheres em busca de seus direitos, as discriminações históricas que sofremos, muitas delas presentes ainda hoje inclusive quando atendidas nos órgãos de apoio. Mais que um problema jurídico é um problema cultural.
Ela lembratambém que percebia que as mulheres sofriam ainda mais quando denunciavam os agressores, e por isso, é necessário o atendimento acolhedor para que elas se sintam mais seguras.
— Me deparava na atividade de delegada com inúmeros casos de violência e notava que as mulheres sofriam ainda mais quando denunciavam seus agressores. Antes as vítimas podiam desistir do processo, mas hoje com a mudança da lei de violência doméstica só podem retirar as queixas perante o juiz. A Lei Maria da Penha, é um importante instrumento de combate à violência contra a mulher, um avanço nessa luta.
Números da violência em 2020
De acordo com levantamento da Secretaria de Segurança Pública do RS até setembro de 2020 uma mulher foi vítima de feminicídio em Caxias do Sul. Também foram registradas 475 ocorrências por lesão corporal, 746 por ameaça e 33 estupros.
ONDE BUSCAR AJUDA
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (54) 3220-9280
Patrulha Maria da Penha: (54) 98423-2154 (o número está disponível para ligações e mensagens de WhatsApp)
Central de Atendimento à Mulher: telefone 180
Coordenadoria da Mulher: (54) 3218-6026
Centro de Referência para a Mulher: (54) 3218-6112
Leia também
Sobrinha que escondeu o corpo do tio em Vacaria para continuar recebendo o benefício da aposentadoria diz que agiu sozinha
Dois patrimônios preservados: receita original de pizza italiana será servida em casa histórica de Caxias
Mutirão no sábado pretende reduzir fila de pacientes que aguardam por consultas especializadas em Caxias