A história da caxiense Yasmin Moura de Souza, 15 anos, é similar a de milhares de meninas brasileiras. Com o sonho de ser jogadora de futebol, esbarra em obstáculos, como o de encontrar times femininos. Mas aos poucos o caminho começa a ser traçado. Ela é uma das atletas do Orian, projeto social da Zona Norte de Caxias que conta com um time de mulheres classificado para as quartas de finais da Taça das Favelas, que ocorre no sábado (7), em Alvorada. O campeonato é organizado pela Central Única das Favelas (Cufa).
Na infância, Yasmin via os irmãos mais velhos jogarem com os amigos e foi ali que começou a dar os primeiros passos, ou melhor, os primeiros chutes. Ela iniciou a busca por times para jogar, mas não encontrava projetos voltados às meninas. Foi aí que o Star, do bairro Morada dos Alpes, um clube masculino, lhe acolheu.
— É diferente jogar com gurias e guris. Mas com eles foi sempre de boa, sempre me apoiaram — relembra a jovem.
Neste ano, Yasmin conseguiu ingressar no time feminino da Associação de Pais e Amigos de Futebol da UCS (Apafut) e no Orian. Com características ofensivas e defensivas, no campo joga como lateral, tanto pelo lado direito como esquerdo, já no futsal é ala. Tem como inspirações a rainha do futebol, Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, e Formiga, volante da Seleção Brasileira que disputou seis Jogos Olímpicos. Além disso, tem admiração pelo português Cristiano Ronaldo.
O sonho de Yasmin é ser reconhecida pelo futebol, jogar pelo time do coração, o Grêmio, e quem sabe pela Seleção Brasileira. Se depender da mãe Maisa e do pai Antônio, o desejo da filha vai ser realizado. A Taça das Favelas é uma boa oportunidade de visibilidade.
— Sempre dissemos para ela: tu tens que pensar o que quer para ti. É estudar e, com o tempo, ver o que realmente quer. Ela pensou em várias coisas, como em veterinária porque gosta de animais, mas se achou mesmo no esporte — diz Maisa.
Colega de Yasmin no Orian, Lauren de Souza Lemos, 15, é outra jovem que sonha em trilhar um caminho no futebol. Hoje une a rotina de treinos no futebol de campo com o futsal e com o tênis, modalidades que também pratica. Ela também integra a banda da escola onde estuda em Caxias, a Rubem Bento Alves. Inclusive, precisou tomar uma decisão importante: desfilar no 7 de Setembro em Caxias do Sul ou ir para Alvorada jogar. O amor pelo futebol pesou.
Lauren tem, também, uma grande inspiração na família, a tia Laurita Lemos, que sempre jogou futebol e tem um time. Atacante, tem o sonho de um dia ser a artilheira da Seleção Brasileira, e espera uma boa oportunidade nos jogos de sábado na Taça das Favelas:
— Algumas vezes tem olheiros.
Lourdes, mãe de Lauren, é só orgulho. Mesmo com as dificuldades, busca apoiar a jovem nos sonhos.
— Ela joga porque gosta. A chuteira dela tinha rasgado, abriu toda a frente, e como deu toda a chuva (de maio), o meu esposo ficou sem trabalho por três meses. Eu tive que me virar para pagar as contas e não tinha como comprar outra chuteira. Ela disse que, então, ia jogar de pés descalços. Assim que meu marido arrumou serviço, comprei uma chuteira pra Lauren — diz Lourdes.
Orgulhos dos jovens
O Orian (sigla para Organização, Respeito, Inteligência, Amizade e Naturalidade) foi criado há 15 anos. O projeto social atende a cerca de 200 meninos e meninas de sete a 18 anos das escolas Rubens Bento Alves, no bairro Vila Ipê, Tancredo de Almeida Neves, no Belo Horizonte e Érico Veríssimo, em Vila Seca. São cerca de 10 voluntários. Vanessa Lentz, que integra a comissão técnica da equipe, explica que o Orian busca dar novas oportunidades aos jovens, principalmente porque muitos estão em situação de vulnerabilidade social.
— É muito gratificante saber que aquela criança que não ia para a escola começou a ir, se desenvolveu e hoje leva a sério os estudos. Tem dois que foram alunos nesses 15 anos que viraram professores de educação física e hoje trabalham no projeto — se orgulha Vanessa.
A classificação das atletas do Orian para as quartas de finais da Taça das Favelas é vista com orgulho. Na modalidade, podem atuar meninos e meninas de 15 anos ou mais, sem limite de idade. Os treinos ocorreram em quadras alugadas. A montagem do elenco foi puxada por três atletas sub-15, somada a mulheres que queriam ter a experiência de jogar.
— Tem mães que têm os filhos no projeto e tinham o sonho de ser jogadoras, não conseguiram, e hoje estão apoiando. Esse time é um misto de idade, de experiência — conta Vanessa.
O Beltrão quer brilhar
No futebol masculino, o time do bairro Beltrão de Queiroz irá representar a região nos jogos em Alvorada neste final de semana. Entre os atletas, o goleiro Alexandro Batista Ramos, 15, sonha em construir uma carreira no futebol.
Suas principais referências no esporte são Alisson e Éderson, goleiros do Brasil nas Copas do Mundo de 2018 e 2022, além do belga Thibaut Courtois, titular do Real Madrid, e Gianluigi Buffon, ex-jogador e que foi campeão do mundo com a Itália em 2006. A semifinal da etapa caxiense contra o Industrial de Farroupilha, na última semana, foi para a disputa de pênaltis, e Alexandro pegou a primeira cobrança do time adversário. Para ele, a Taça das Favelas é uma oportunidade de ser visto por outros clubes:
— Desde os oito anos quero ser goleiro. Fiz (escolinha) na Apafut, no Atlético e, no momento, jogo em duas equipes, no Itaqui e no Santos (ambas de Caxias do Sul). Eu vou fazer o máximo para acontecer (as oportunidades na Taça das Favelas).
O volante Marcos Vinícios de Souza, 15, é outro que vê no torneio uma oportunidade. Ele ingressou no esporte com cinco anos jogando futsal na escolinha do Vasco da Gama, no bairro Floresta; dos seis aos 14 anos atuou no Caxias. Conhecido como Keno, por ter nascido pequeno, tem no espanhol Rodri e no belga Kevin De Bruyne suas referências. O maior sonho é ajudar a família com o futebol.
O time do Beltrão de Queiroz foi fundado há uma década, e 2024 marca o segundo ano de disputa da Taça das Favelas. Em 2023 a equipe parou nas quartas de finais. O técnico Marcelo Machado Pereira diz que Alexandro e Marcos foram fundamentais na formulação do elenco, e acredita ser possível ir longe na competição.
— A nossa responsabilidade é organizar, é trazer disciplina tática, para que eles possam potencializar tudo o que já têm. São meninos com muita qualidade, além de jogar muita bola, são muito equilibrados — conta o treinador.
Para além do esporte, Pereira comenta que o time do Beltrão de Queiroz busca integrar os jovens à sociedade para que possam seguir um bom caminho.
— O Beltrão é um time que tem identificação de disciplina e de responsabilidade para a comunidade. Procuramos trazer a disciplina acima de tudo, não aceitamos palavrões, buscamos a escola, a família, como eles tratam os pais. Muitos meninos mais novos, de nove anos, estão querendo jogar. Trouxe um efeito bom para dentro da comunidade.
A competição em Alvorada
Os confrontos para as quartas de finais vão ser definidos por sorteio no sábado. No feminino estão na competição times de Viamão, Caxias, São Leopoldo, Ijuí, Porto Alegre, Pelotas, Imbé e Alvorada. No masculino, além do Beltrão, jogam equipes de Frederico Westphalen, Porto Alegre, São Leopoldo, Montenegro, Rio Grande, Capão da Canoa e Gravataí.
As semifinais também serão disputadas no sábado e a grande decisão está marcada para o dia 21, no Estádio Passo D'Areia, em Porto Alegre.