Atravessar a pandemia é um dos maiores desafios enfrentados por empresas de diversos setores e diferentes tamanhos, mas particularmente para os pequenos negócios, que compõem a maior parte da economia brasileira. Para permanecer de portas abertas foi preciso revisar estratégias, reavaliar posicionamentos e correr atrás de crédito. É o que fizeram empresas de Caxias do Sul que conseguiram se manter em atividade ou até mesmo crescer durante a crise econômica em decorrência da pandemia de coronavírus.
A perspectiva é de que 2021 encerre economicamente melhor do que o ano passado. No entanto, a sobrevivência dos pequenos negócios ainda demanda atenção. Em pesquisa realizada pelo Sebrae-RS em maio, identificou a principal dificuldade para os empresários. Para 45% deles, o acesso ao crédito foi apontado como um problema preponderante. Isso ocorre apesar da ligeira melhora em relação às condições de faturamento. Em março, por exemplo, 68% registraram a diminuição da entrada de recursos, enquanto que, no mês passado, essa era uma realidade para 37% delas.
O diretor superintendente do Sebrae-RS, André Vanoni de Godoy, explica que a continuidade de muitos desses negócios foi garantida, ainda no ano passado, por linhas de crédito especiais, principalmente o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), subsidiado pelo governo federal. No entanto, o início deste ano, com alta nas taxas de contaminação pelo coronavírus, acirrou ainda mais as condições econômicas, provocando o fechamento de diversas atividades. Assim, diz Godoy, com os recursos dos financiamentos já exauridos e, de novo com baixa na entrada de recursos, as empresas voltaram a enfrentar problemas de caixa.
— Se por um lado, os pequenos negócios têm mais agilidade para se movimentar e revisar suas estratégias, e essa é, sim, uma das grandes vantagens do pequeno negócio, em relação ao grande, por ter mais flexibilidade, por outro lado, a estrutura de capital é muito frágil. As empresas pequenas normalmente trabalham sem uma folga muito grande no seu caixa — explica Godoy.
No início de junho, foi sancionada a lei que torna o Pronampe permanente. Contudo, as condições são menos favoráveis do que no ano passado. Primeiro, reduziu-se, consideravelmente, o crédito disponível. São R$ 5 bilhões e, na avaliação do governo, pode chegar a R$ 25 bilhões, a depender da participação de bancos públicos e privados. Ainda assim, será menos do que o valor acessado pelas empresas em 2020, um montante que chegou a R$ 37,5 milhões. Além disso, as taxas de juros deste ano estão menos atrativas. Passaram a computar a taxa Selic, acrescida de 6% sobre o valor concedido, enquanto que em 2020 considerava a Selic com mais 1,25% ao ano.
Ainda assim, afirmam os especialistas, essa linha de crédito continua sendo a melhor alternativa, em comparação com outras opções do mercado. A economista-chefe da Fecomércio, Patrícia Palermo, diz que as condições de 2020 foram "ímpares" e que, mesmo com as mudanças, o Pronampe permanente deve ser, sim, celebrado.
—O novo Pronampe aumentou a carência dos pagamentos para 11 meses, o que é muito importante, especialmente diante de um cenário de plena retomada, em que é passível de sofrer interrupções no processo de recuperação. Entretanto, efetivamente, o problema está no baixo volume de recursos da linha, dada a grande necessidade de crédito por parte de micro e pequenas empresas, que certamente foi o grupo mais afetado pela crise — avalia Patrícia.
Estratégias para aproximar clientes
Criação de novos ambientes internos, integração a uma cooperativa, desenvolvimento do e-commerce e acesso ao Pronampe. Essas foram iniciativas das empresas ProMóvel e Madegrande, em Caxias do Sul, com o objetivo de se manter no mercado durante a pandemia. Com o avanço da pandemia no Brasil, a partir de março do ano passado, e o consequente fechamento das atividades, o faturamento dos empreendimentos caiu 35% entre o terceiro e o quinto mês de 2020. Em julho, foi a hora de buscar o crédito, com a taxa de juros anual de 1,5%, mais a Selic, com oito meses para começar a pagar e 36 meses para concluir a quitação da dívida.
— A gente vinha com um caixa para equilibrar as contas e, com essa baixa no faturamento, se a gente não tivesse acessado o Pronampe, não teríamos condições de manter a nossa saúde financeira — revela o empresário Claudio Alberto Casagrande.
Mas, como dizem os especialistas, a crise pode trazer uma oportunidade. Neste caso, foi a de avaliar novos processos que poderiam atrair a clientela, formada principalmente por marceneiros, arquitetos e designers de interiores para a produção de móveis planejados.
— Olhamos muito para dentro da empresa, como vender para quem paga, e o que tínhamos de fazer dentro da nossa empresa para sobreviver, crescer e inovar dentro desse mercado tão desafiador — explica Casagrande.
Uma das ações foi integrar uma cooperativa que fornece aos clientes diretos da ProMóvel e da Madegrande uma máquina de cartão de crédito, com a possibilidade de parcelamento em até 18 vezes. Do valor pago, 70% fica com ele e o restante já cai na conta da empresa para a compra de produtos. Outra iniciativa foi a criação do e-commerce, já que as vendas online se tornaram uma tendência importante na pandemia, com as medidas de isolamento. Com isso, superou uma barreira ainda identificada pelos empresários, já que uma pesquisa do Sebrae mostrou que 44% deles ainda apontam este como um desafio. Além disso, passaram a ter um espaço dentro da loja, especialmente disponível para os clientes. É o chamado Prowork, em que é possível fazer projeções de ambientes, com mesas e a tecnologia necessária.
— Isso melhorou o fluxo dentro da loja, lógico, respeitando toda os protocolos com distanciamento e álcool gel — afirma o proprietário.
Crescimento apesar da pandemia
Ao longo de 2020, os negócios da Tertech, indústria caxiense de pequeno porte, tiveram um bom desempenho, apesar da pandemia. A empresa fechou o ano com faturamento três vezes maior em relação ao período pré-pandemia. Mas, então, surgiu uma preocupação no meio do caminho: a escassez de insumos poderia barrar a boa fase do empreendimento, que produz quadros de comandos, painéis modulares e soluções em chapas de aço.
De acordo com o empresário Tiago de Azevedo, isso gerou a necessidade de começar a pagar os fornecedores à vista. Mesmo com o caixa em dia, estava posto um desafio. Para superá-lo, a decisão foi buscar o Pronampe:
— Se não tivéssemos esse valor, nós teríamos decrescido — reconhece.
Azevedo destaca que o acesso ao crédito foi fácil e atribui isso ao fato de trabalhar dentro da formalidade. Com as contas equilibradas, ele diz que a empresa pôde investir em processos automatizados e contratou seis novos funcionários, chegando agora a 22.
A indústria é o setor que tem se recuperado mais rapidamente da crise do coronavírus, em Caxias do Sul. Dentro desse cenário mais favorável, o dono da Tertech também afirma que as trocas com outros empreendedores e, a busca de assessoramento especializado, foram peças fundamentais para o desempenho positivo.
— A empresa está no 11º ano de atuação no mercado e foi uma evolução constante. Só que a gente acabou dando um salto quando nos aproximamos da Microempa. Evoluímos muito em gestão, em processo. O próprio networking fez com que evoluíssemos muito — ressalta o diretor executivo.
Reinvenção para a sobrevivência
Reinventar-se foi a palavra de ordem para muitos empreendedores ao longo dos últimos meses. O conceito implica uma visão positiva sobre a crise, mas representa também esforço e energia para recomeçar. É o que aconteceu com uma casa de eventos de Caxias do Sul, a Spazio, que se transformou em um restaurante.
Com os eventos sociais permitidos em curtos e poucos períodos, a empresa enfrentou a dificuldade para se manter aberta. Negociou um desconto no aluguel e, em setembro, contratou um empréstimo. No entanto, a continuidade da pandemia impedia um planejamento de curto e médio prazo. Instalado em um shopping, o espaço começou em novembro do ano passado a funcionar como um restaurante com entrega de comida nas sextas-feiras à noite.
— Nós tínhamos toda a estrutura de cozinha. Então, a única solução que a gente teve foi essa, já que nós não tivemos que fazer um investimento muito grande — conta a empresária Simone Martins.
Com o a entrega de comida funcionando bem, a empresa decidiu dar um novo passo. Em maio, os sócios abriram um bufê no mesmo local. O investimento consistiu na compra de alguns materiais, como balança e toalhas de mesa. Além disso, acabou gerando duas vagas de emprego. O restaurante, frequentado principalmente por funcionários do próprio shopping e moradores dos arredores, deve continuar mesmo depois da pandemia.
— A princípio, queremos conciliar as três coisas. A gente quer fazer eventos abertos ao público, com música ao vivo, além dos eventos fechados e o atendimento no restaurante — planeja a empresária Jenifer Lourenço.
PESQUISA
O Sebrae perguntou a donos de pequenos negócios no RS quais são as principais necessidades neste momento. A pesquisa, divulgada em maio, aceitava mais de uma resposta e apenas 4% dos empreendedores disseram não precisar de nenhum apoio. A maior necessidade apontada foi o acesso a recurso para capital de giro.
- 45% - Recurso para capital de giro
- 44% - Orientação sobre o uso de ferramentas digitais para venda e relacionamento com clientes
- 37% - Consultoria para gestão financeira
- 34% - Recurso para investimento
- 27% - Análise sobre tendências e perspectivas do mercado / Parcerias com outras empresas para otimizar negócios
- 25% - Consultoria para adequação de custos / Busca de novos fornecedores
- 24% - Alternativas para diversificar produtos/serviços
- 22% - Análise e comportamento do consumidor
- 19% - Consultoria para gestão da crise / Consultoria para remodelagem do negócio
- 10% - Orientações sobre assuntos trabalhistas
- 8% - Orientação sobre questões legais (decretos, protocolos, etc)
- 4% - Não precisam de apoio neste momento
Fonte: Monitoramento dos Pequenos Negócios - 12ª Edição, realizado pelo Sebrae em maio de 2021.