Pode parecer estranho dizer que uma localidade de Caxias do Sul está prestes a “receber o progresso” na segunda década do Século 21, mas é praticamente isso que irá ocorrer em Vila Oliva. O pacato lugarejo, a 40 quilômetros do centro da cidade, começará a ter impactos grandes na sua rotina a partir do ano que vem. O barulho de tratores e patrolas não será mais somente nas lavouras ou na manutenção das estradas. A comunidade ganhará a companhia do maquinário responsável por tirar do papel o tão falado Aeroporto Regional da Serra Gaúcha. Uma obra orçada em mais de R$ 200 milhões e que promete ser um novo divisor de águas para toda a região.
— O novo aeroporto será um novo marco na nossa história, comparado à chegada do trem em 1910. Precisamos acelerar ao máximo, afinal é o principal projeto da Secretaria Nacional da Aviação Civil — diz o prefeito de Caxias do Sul, Adiló Didomenico (PSDB), que promete:
— 2022 é o ano que começam as obras. Quanto tempo para construir toda a infraestrutura? Bom, dependerá de qual a empresa que irá ganhar a licitação e da tecnologia que ela irá colocar na construção. Nós temos o prazo de 12 meses para terminar o projeto, que vamos tentar encurtar. Mas 2022 teremos obras lá, não tenha dúvida.
O novo aeroporto entra naquelas novelas que parecem nunca ter fim, afinal, desde o início do século o boato já circula por Vila Oliva e pela cidade. Um aparelho moderno e que também poderá receber aviões de carga, algo que mexerá com toda a economia serrana. Para se ter uma ideia, no dia 19 de maio fez uma década que o terreno, onde hoje existe um pomar, foi oficialmente escolhido para receber essa obra. Só que não andou além disso, o que explica até uma descrença em parte da comunidade, se o empreendimento realmente se tornará uma realidade. Quanto mais crer na prometida mudança de rotina do vilarejo.
— Muitos não acreditam. Faz desde 2000 que vinha isso e o pessoal fica naquela dúvida: “será que vai sair mesmo?” Muitos me dizem que só acreditam vendo — diz o subprefeito de Vila Oliva, Tamiel Bergamin, de apenas 26 anos.
Em meio a tudo isso, a esperança agora foi alimentada pela etapa do projeto, que está com a licitação lançada e tem verba de R$ 3 milhões para ser executado. E deixa muita gente esperançosa de que vai começar a caminhar.
— Esse aeroporto vai alavancar a nossa Vila Oliva, que está parada no tempo. Isso vai ser ótimo para nós e para comunidade — considera Marcelo Camêlo, 47, que tem uma pequena agroindústria a cerca de 1 quilômetro da área onde ficará o campo de aviação.
Essa guinada para frente vai além de uma obra desse porte, onde 475 hectares de terra foram desapropriados. O aeroporto trará turistas, o transporte de carga e até coisas mais simples para o ano de 2021, como uma antena de sinal de telefonia móvel ou a ligação asfáltica até o município de Gramado. A economia e a rotina de Vila Oliva estão prestes a mudar e irão impactar de todas as formas.
“Nós não temos a noção do que irá acontecer”
O ritmo de Vila Oliva é diferente do restante de Caxias do Sul. Logo no início da Avenida Gaviolli, quem dá as boas vindas aos visitantes é uma estátua de Santo Expedito. E, a partir dali o sinal de celular, que na viagem é precário, deixa de existir por completo. Ele só funciona em morros e locais mais abertos, graças às torres da vizinha Gramado. As ligações só por telefones fixos e a internet chegaram graças aos cabos de uma provedora municipal. Por isso, não é estranho encontrar pessoas em frente à subprefeitura, aproveitando o sinal de wi-fi gratuito.
Como uma localidade do interior, a avenida principal concentra quase todos os serviços, que vão do mercado à borracharia para atender os caminhões que passam levando toda a produção agroindustrial do distrito. O único movimento diferente é a passagem dos romeiros que percorrem o roteiro Caminhos de Caravaggio – que liga os santuários de Canela e Farroupilha –, mas poucos acabam ficando. Não há uma infraestrutura para mantê-los ali. Essa rotina deve ser a primeira a mudar a partir do ano que vem.
— O aeroporto vai ser importante, porque vai trazer desenvolvimento para o município e também para o distrito. Talvez se imagine que as características poderão ser alteradas em função do aeroporto, com uma intenção forte para o turismo rural. A gente já percebe sinal de algumas pessoas tendo interesse nessas áreas pensando no futuro aeroporto — informa Rudimar Menegotto, secretário municipal da Agricultura.
Agricultura é o que move Vila Oliva, tanto que pouco se fala do distrito. Além do tradicional rodeio, que não foi realizado nos últimos anos por causa da pandemia, a comunidade ficou conhecida após o temporal registrado em 8 de junho de 2017, que quase devastou a localidade. Reconstruída, agora o foco é pensar em tudo que poderá mudar com essa construção prometida há tanto tempo.
— Nós não temos a noção do que irá acontecer com nosso distrito ainda. Nós não estamos preparados para isso. Antes da pandemia, tinha uns cursinhos através da prefeitura, e um dia o pessoal me ligou pedindo o que seria importante. Eu falei que precisávamos nos preparar para o turismo — relata o subprefeito Tamiel Bergamin.
Matriz econômica ganhará companhia
O turismo rural é a grande alternativa que deverá chegar ao distrito, compartilhando com a produção hortifrutigranjeira. Essa é a expectativa de muitas pessoas, já que hoje os atrativos são poucos: o Santo Expedito, a igreja e a ponte do Raposo, construída em ferro e inaugurada em 1936. Proprietário da Queijaria Bolson&Camêlo, Marcelo Camêlo toca o empreendimento junto da mulher e os três filhos. A propriedade fica a 1 quilômetro da área separada para o novo aeroporto, onde ele tem parreira, ovelhas e 70 cabeças de gado, sendo que 36 são destinadas ao leite para fabricação dos queijos.
Atualmente, ele produz 70kg por dia, mas já vê a possibilidade de aumentar com a maior circulação de pessoas.
— Eu estou bem entusiasmado com isso e acredito que já tem muitas pessoas comprando terrenos pensando no turismo — considera Camêlo.
Para conseguir atrair esses novos clientes, ele já conta com uma experiência adquirida com os alunos da comunidade, que possuem visitas guiadas em algumas propriedades rurais da região, algo que ele considera ser possível aproveitar num futuro próximo.
— A gente tem um projeto, em que trabalhamos com o Colégio Anchieta, que é localizado aqui na Vila Oliva. Quando os alunos estão de férias, eles vêm conhecer a nossa queijaria porque faz parte do roteiro deles. A gente sempre busca nova tecnologias e formas de incrementar nossa propriedade para receber o pessoal — explica o produtor.
A Fazenda Parque Vila Oliva é conhecida pelo tradicional rodeio organizado na comunidade, mas também é um dos poucos empreendimentos que trabalha com o turismo no distrito. Em cinco anos de funcionamento, também recebe grupos de escolas e de turistas. Ricardo Daneluz, o proprietário, ressalta que o projeto não depende do aeroporto, só que se criam mais expectativas a partir dele. Por enquanto, o foco é ampliar o trabalho para levar mais turistas ao local.
— Teremos aos finais de semana passeio a cavalo, gastronomia campeira, entre outras atividades previstas para iniciar entre agosto e setembro — explica Daneluz.
Dois gargalos importantes para a produção
Lógico que o aeroporto é a pauta do momento em Caxias do Sul, ainda mais que ele começa a dar passos para sair do papel, mas não é a prioridade da comunidade de Vila Oliva. O que mais chama atenção na conversa com os produtores é sobre a pavimentação asfáltica da vila para o interior, principalmente com a possibilidade de ligação com o centro de Gramado. São cerca de 20 quilômetros do distrito até o município da Região das Hortênsias, todo em estrada de chão. Isso é o que causa o grande desafio para escoar toda a produção.
Airton Bandeira, proprietário da Bandeira Alimentos, afirma que seu maior desejo neste momento é a pavimentação entre o centro da localidade até a localidade de Tunas Altas, onde fica sua propriedade. Produtor de maçãs e comerciante de outras frutas e legumes, ele distribui cerca de 7 milhões de toneladas anualmente, e todas por via rodoviária.
— A gente atende o Zaffari em Porto Alegre, só que, para ir até lá, gastamos mais pneu daqui até a Vila (Oliva), do que todo o resto do caminho. Os caminhões que vêm buscar os produtos é tudo com câmara frigorífica, veículos com R$ 1 milhão de custo para rodar nas estradas. O asfalto seria a obra mais importante no momento — considera Bandeira.
O simples fato de a Estrada Fazenda Souza ter sido alargada em 2019 já colaborou bastante para o tráfego desses veículos pesados, mas que ainda precisam de ajuda dos tratores em dias de muita chuva para conseguirem percorrer o trecho em pavimentação.
Mas a grande expectativa é pela ligação com Gramado. Hoje a estrada é muito íngreme e com curvas que caminhões maiores não conseguem fazer até a Ponte do Raposo. O projeto é que a nova rodovia passe por outro trajeto alternativo ao atual e seja construída uma nova ponte sobre o Rio Caí. Esse asfalto traz ainda mais esperança.
— Saindo por Gramado, para escoamento de mercadoria encurtará o nosso caminho. Acho que, entre ida e volta, no mínimo uns 80 quilômetros. Agora, a gente tem que ir por Caxias e depois Porto Alegre. A queixa da estrada de chão é muito grande, porque são caminhões trafegando todo dia — explica Maria Deon, que trabalha no administrativo da Bandeira.
Ainda assim, também é preciso ressaltar o outro lado do aeroporto, que também receberá aviões de carga. Esse é um ponto que alimenta muita expectativa em toda a economia caxiense, ainda mais para a agricultura.
— A nossa produção de hortifrutigranjeiros vai até o Amazonas e de carreta. No momento que tivermos um aeroporto em condições do transporte de carga, vamos levar esses produtos com mais qualidade e com um custo muito menor — explica o prefeito Adiló.
Qual caminho levará ao aeroporto?
Ao mesmo tempo que o projeto do aeroporto sai do zero, outras situações preocupam as comunidades do interior: como serão os acessos? Enquanto a ligação até Gramado deverá ser executada pela iniciativa privada, o caminho de Caxias até Vila Oliva é incerto. Aqui é preciso considerar dois fatores, o percurso que será usado para a construção do empreendimento e o posterior caminho definitivo que levará ao aeroporto.
De acordo com o presidente da Frente Parlamentar em Apoio à Construção do Aeroporto da Serra Gaúcha em Vila Oliva na Câmara de Vereadores, Sandro Fantinel (Patriota), a duplicação da Rota do Sol é improvável, pois passa em duas bacias de captação de água. Assim, só restaria passar pelo interior e só existe acesso por Fazenda Souza. Algo que preocupa os moradores desse distrito vizinho, já que a comunidade é cortada por apenas uma via.
— Estamos lutando para abrir uma segunda opção, estamos muitos anos tentando isso aqui em Fazenda Souza. Falta um pedaço da Rua João Scopel que seria essa via secundária. Mas eu acho que, para o aeroporto, teria que ser fora da vila — acredita Antônio Thomé, subprefeito do distrito.
Não existem projetos claros sobre como serão esses acessos. A reportagem tentou contato com a Secretaria de Planejamento, mas não obteve resposta sobre o traçado desses percursos. O que existe é uma ideia de nova perimetral, que segundo o prefeito passaria por fora das duas vilas, de Fazenda Souza e de Vila Oliva, e chegaria até o aeroporto. Isso precisará ser financiado, em boa parte, pelo Governo do Estado.
— Nós estamos convidando o governador para visitar esses locais. O Eduardo Leite (PSDB) tem interesse em ajudar a região e estamos abertos. Não só aceitamos, como precisamos dessa ajuda do Governo do Estado — diz Adiló.
Enquanto isso não sai do papel, Fantinel, que é de Fazenda Souza, entregou uma proposta ao Executivo para que essa ligação ocorra e não atrase ainda mais essa obra.
— Vamos recapear o asfalto da Rota do Sol até Fazenda Souza, revitalizar a avenida principal e recuperar a estrada até São Roque. Se não tiver como passar por outro lugar para construir o novo aeroporto, paciência. Passa por ali. Enquanto isso, iremos cobrar para que saia do papel essa Perimetral Sul (em Fazenda Souza) — afirma Fantinel.
Até o mês de julho, uma nova reunião entre a Frente Parlamentar e a Seplan (Secretaria de Planejamento) deve ocorrer. A intenção dos vereadores é que ao menos se tenha um esboço de projeto para esse acesso, já que existe preocupação dos produtores sobre por onde poderá passar essa nova rodovia e se isso reduzirá área de plantação. São os pontos que ainda não estão amarrados nesse projeto do tão esperado futuro Aeroporto Regional da Serra Gaúcha.