Não basta disponibilizar os ouvidos. O ato da atenção envolve o corpo e a mente como um todo, com uma concentração cada vez mais ausente. Em um mundo repleto de estímulos, carecemos de foco para colocar em prática essa ideia. Penso sobre isso depois de ler um ensaio da filósofa Simone Weil. Para ela, o verdadeiro ato de amor pressupõe uma escuta quase reverencial com os interlocutores: “Decidimos que o que acontece em nossas cabeças é mais interessante e mais importante do que se passa no resto do universo.” Por isso a necessidade de expandir o apetite pelos fatos e criaturas próximas. O cuidado de si significa estar atrelado à saúde emocional, mas levado ao paroxismo se revela patológico. Conheci, ao longo dos anos, seres agradáveis, simpáticos, mas incapazes de promover vínculos verdadeiros, impregnados de empatia. Para muitos, o relato de alguém é apenas o intervalo para retomar um discurso encharcado de ego. Histórias alheias servem somente como um hiato para desenvolver o próprio pensamento. Existe nome diverso para isso senão egoísmo? Quando saímos da redoma do Eu conseguimos ampliar a consciência e o resultado é sentir a presença do outro, assimilando suas queixas e alegrias. Tudo deveria ser considerado, pois as relações verdadeiras só se estabelecem quando há envolvimento pelo que se descortina em suas vidas.
Creio ser essa uma das razões por esbarrarmos em tantas pessoas psiquicamente enfermas: a incapacidade de conjugar os pronomes além do eu. As redes sociais potencializaram isso, basta observar os conteúdos mais acessados. Eu sinceramente não simpatizo com essa nova forma de expressão, pois raramente é praticada com comedimento. Gosto de, ao encontrar alguém, perceber seu real interesse na minha narrativa. Mas faço isso sempre de maneira reservada, pois aprecio mais escutar do que me expor. E inúmeras vezes vemos quem aja como autômato, numa espécie de catarse, em constante processo de repetição, sem qualquer generosidade. Entramos em uma era de comunicação absoluta. Todos imaginando ter algo extremamente relevante a compartilhar. O TikTok está aí para mostrar a banalidade da maioria das postagens. Estamos bem aparelhados, só falta deixar de olhar para o próprio umbigo. Ainda Weil: “Como muitos estudos revelam, só vemos aquilo a que estamos atentos. Sua qualidade determinará o da sua existência.” Precisamos seguir o fluxo, mas mantendo ilesa a aptidão de absorver o que nos ultrapassa.
Um valor adicional caminha junto a este: a paciência. Ela pode ser traduzida como a faculdade de assimilar um “discurso” sem a tentação de interromper constantemente. Silenciar a fala. Acomodar a palavra em busca de um estado de conforto para simplesmente acolher. Avançar nessa difícil tarefa de não transformar o sujeito em objeto. É uma experiência a que deveríamos nos entregar.