No livro Expresso Sócrates, o escritor americano Eric Weiner compila ensinamentos de pensadores e filósofos de diversas épocas e imprime uma marca original às suas reflexões. É um belo convite para aprimorar uma maneira de absorver sabedoria no cotidiano. Sublinhei diversos trechos e volto a eles com frequência. Ao se referir à vida e à obra de Henry David Thoreau, que viveu no século 19 e morou isolado em uma cabana durante certo período, chamou-me atenção esta frase: “Só é nosso o que usufruímos, não o que temos.” Como contestar algo tão evidente e tantas vezes menosprezado? Você pode ser dono de várias casas e apartamentos, ter uma empresa geradora de muito lucro, ser um palestrante bem remunerado. Ótimo, mas o ideal situa-se além. Para tantos, ganhar é sinônimo de acumular. Gastam com parcimônia, com medo de se verem sem nada no futuro. Ser precavido é admirável, mas quando beira o patológico está na hora de rever prioridades e valores. Tenho uma amiga herdeira de considerável patrimônio. Vendeu vários imóveis e há alguns anos tem aproveitado para viajar, oferecer jantares, presentear. Em seu rosto sempre encontro uma expressão de alegria, de entusiasmo. Disse-me sentir grande contentamento por agir assim. E segue com ímpeto juvenil em busca de múltiplas “aventuras”.
Gostaria de transmutar esse testemunho num ato pessoal. Sinto-me distante do outro extremo, mas igualmente longe desse admirável despojamento. Penso ser uma questão de treino, como quase tudo ligado à realidade prática. E o bom referente a isso é não precisar de gigantesco capital para nos portarmos com despreocupação, sem tantas amarras. Se ainda estamos apartados da possibilidade de comprar uma passagem para passar um fim de semana em Lisboa, talvez possamos ir eventualmente ao nosso restaurante preferido. Para além da soma despendida, conta a capacidade de transformar em prazer o dinheiro obtido. Porém, vivemos em uma sociedade que privilegia o acúmulo. Mas algo bom começa a se manifestar: as novas gerações parecem interessadas em experiências, dispensando ser proprietárias. Desfrutam de forma prática o que lhes é oferecido. Tento copiar seu exemplo, embora seja difícil quebrar hábitos repetidos ao longo dos anos. De qualquer modo, é possível ir treinando. Logo ali adiante, quem sabe, nos surpreenderemos mais generosos, fazendo partilhas até então afastadas de nossos propósitos.
Nenhum comportamento deveria ser estanque. Tudo é cambiante. Somos filhos da volatilidade. Aprendo constantemente e o resultado é perceber a beleza e a plasticidade da mente humana. Ando empolgado com a ideia de reter cada vez menos. Para isso, preciso permanecer atento a todas as oportunidades de reavaliar minhas posturas. Quanto antes, melhor. Tenho pressa de polir a minha alma.