“A vida não examinada não vale a pena ser vivida”, sentenciou Sócrates. Na verdade, a maioria de nós sequer pensa em suas ações, deixando tudo acontecer no piloto automático. Sem fazer uma avaliação interior ou indagar-se filosoficamente o que experimenta. Recentemente tive um lampejo, por assim dizer, que me mostrou a beleza de estar consciente de nossas ações. Passei um dia em Porto Alegre com amigos. Fizemos um programa incluindo teatro, exposições, jantar. Já na saída de casa fui invadido por uma sensação boa, que nem nomeei por medo de perder o encanto. O sol nascente, a feliz expectativa de conviver com gente querida, o contato com a arte, esse alimento espiritual tão necessário. E a percepção do privilégio de poder gastar um dia inteiro depurando a sensibilidade, conversando sobre amenidades, rindo, aprendendo, inundou-me de alegria. Parece prosaico, trivial, mas ganha outra dimensão. Ao jogar luz nisso, ampliei bastante o sentimento de gratidão: olhar para si mesmo com estudado distanciamento. Explico. Ia fazendo e sentindo tudo isso, mas também me observava, como se fosse um duplo. Era eu e mais um, mas sem dissociação. E ao me olhar de fora fui percebendo a grandeza e a singularidade do instante que se esvai. O resultado: ter sido fiel à máxima preconizada pelo pensador grego.
E o mais interessante foi ter partilhado essa percepção com as pessoas ao meu lado. Houve uma espécie de expansão da realidade, como se aquele sábado multiplicasse as horas registradas no relógio. Há anos venho treinando para alcançar algo situado além do cumprimento da rotina doméstica e de trabalho. Outro exemplo: sou todo contentamento ao sair cedo de casa, acordando junto com o dia, para realizar minha caminhada. Parece ser a primeira vez, como se as árvores, o silêncio e a cor do céu fizessem parte da categoria do espanto, da renovada surpresa. Mais tarde, iniciando os preparativos para o almoço, contemplo o cenário da janela da cozinha e simplesmente suspiro de pura felicidade ao ver as bromélias e as roseiras florescendo. Nada que não se repetirá amanhã e depois e depois, se os deuses assim o permitirem, mas saber do milagre poético disso tudo me deixa assombrado.
Então, evite buscar constantemente o que está colado ao êxtase. Ele é ocasional. Colha o que te é entregue, renovando a atenção: isso nos pertence hoje, amanhã ninguém poderá saber. É o mais próximo do conceito de sabedoria. Submeta-se a esse teste como quem precisa passar por um exame de admissão, habilitando-o para o trabalho mais importante, aspirado desde sempre. Assim, tudo ficará envolto nessa certeza: a condição dos humanos é permeada pelo efêmero, mas paira sobre ela a possibilidade de saborear o gosto da eternidade: uma sucessão de momentos postos diante de nós.