Desde muito cedo, ela já demonstrava uma certa rebeldia, mesmo que velada, contra os padrões de comportamento feminino vigentes nos anos 1920 e 1930. Deixou o ambiente doméstico de lado, optou por trabalhar fora e, em 1937, chegou à presidência do Sindicato dos Bancários de Caxias do Sul, tornando-se a primeira mulher a assumir tal cargo no Brasil. Falamos de Gismunda Pezzi Letti (foto), personagem escolhida para ilustrar a coluna deste 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
Uma das dezenas de personagens biografadas no livro Nossas Mulheres… que ajudaram a construir Caxias do Sul, publicado em 2005 pelas professoras Maria Abel Machado e Leonor Aguzzoli, Gismunda iniciou suas atividades profissionais na antiga Companhia Telefônica Riograndense, empresa de Porto Alegre que explorava o serviço de telefonia em Caxias desde 1910.
Conforme as autoras, após essa experiência, em 1925 a jovem foi contratada pelo Banco Francês e Italiano para trabalhar na filial de Caxias – localizada junto ao prédio de número 1.781 da Av. Júlio de Castilhos, em frente à Praça Dante (foto abaixo).
“Dona de um notável espírito de liderança, Gismunda exerceu vários cargos naquele estabelecimento bancário, sempre com muita competência. Isso a colocou em evidência não só perante os colegas, como também diante da categoria dos bancários locais”.
O reconhecimento não tardou. Segundo descrito pelas autoras, em 1937, por ocasião da eleição da nova diretoria do Sindicato dos Bancários de Caxias do Sul, Gismunda foi escolhida presidente, para surpresa e até espanto de muitos, que ainda viam na mulher uma personagem que deveria viver restrita ao espaço doméstico:
“Foi a primeira mulher no Brasil a presidir um sindicato de bancários”.
Crônica no jornal "O Assombro"
A eleição de Gismunda, atrelada a um comportamento revolucionário para os padrões caxienses da época, despertou inúmeras reações, motivando até uma inusitada crônica sobre o “avanço do feminismo”, publicada em 9 de janeiro de 1938 no jornal O Assombro.
Periódico que circulou em Caxias em edições esparsas entre finais de 1937 e meados de 1938, “O Assombro” mesclava ironia, humor, deboche e críticas explícitas à sociedade local e aos comportamentos daquele tempo, conforme o texto abaixo – assinado por um tal Martins e reproduzido direto da página original de 83 anos atrás.
Família e trajetória
Gismunda Pezzi nasceu em Caxias em 19 de janeiro de 1909. Filha de Arcádio Pezzi e Isabel Casagrande Pezzi, era uma das netas do pioneiro imigrante italiano Abramo Pezzi, mais conhecido pela alcunha de "Il Maestro" (o professor).
Conforme as autoras Maria Abel Machado e Leonor Aguzzoli, a mãe de Gismunda, dona Isabel, ficou viúva cedo e, como era enfermeira, foi convidada para trabalhar com o médico Romulo Carbone. A decisão obrigou-a a colocar Gismunda, então com seis anos, e mais três irmãs no internato do Colégio das Irmãs de Ana Rech, onde a menina permaneceu até os 11 anos.
O casamento chegou em 1939, quando um anúncio publicado pela mãe na capa do jornal “A Época” de 14 de maio participou aos parentes e amigos o “contrato” com o senhor Angelo Letti (foto abaixo). Gismunda e Angelo “aprazaram matrimônio” em 10 de maio de 1939, nascendo dessa união os filhos Miguel Angelo, Zuleica e Murilo.
Gismunda Pezzi Letti faleceu em 28 de novembro de 1974. Tinha 65 anos.
Adeus ao banco em 1939
Quatro meses após o casamento com Angelo Letti, Gismunda despediu-se do Banco Francês e Italiano e passou a dedicar-se à família, agora estabelecida em Antônio Prado. Nota publicada no jornal “A Época” de 17 de setembro de 1939 destacou o adeus:
“Segunda-feira última, dia 11, os funcionários do Banco Francês e Italiano, desta cidade, homenagearam sua colega, srta. Gismunda Pezzi, por motivo de seu afastamento da classe bancária, a qual pertencia há mais de 10 anos. A demonstração de estima para com a homenageada constou de um jantar levado a feito no Restaurante do Clube Juvenil, o qual decorreu num ambiente de distinção e cordialidade”.
Protesto na rua
Na imagem acima, uma rara imagem de Gismunda (a única mulher) e um grupo de colegas bancários durante uma reivindicação da categoria na Praça Dante, em meados dos anos 1930. À frente, com o chapéu na mãe, está Serafim Alessandrini.