No ar desde o dia 17 de dezembro, o espaço virtual Educa Maesa é mais uma das ações que buscam trazer para a contemporaneidade a importância sócio-econômica da antiga Metalúrgica Abramo Eberle e, logicamente, sua preservação e inserção no cotidiano da cidade hoje – seja o prédio da Sinimbu (patrimônio privado) ou o complexo da Fábrica 2, a Maesa (patrimônio público).
Desenvolvido na disciplina Estágio IV, do curso de História da UCS, o Educa Maesa chega com três objetivos principais: contextualizar a história do trabalho e dos trabalhadores da firma, refletir sobre a preservação do patrimônio industrial da cidade, notadamente o prédio da Fábrica 2, o “Complexo Maesa”; e apresentar diretrizes e propostas de ações de educação patrimonial a serem desenvolvidas durante o processo de uso da área.
Entre tantas abordagens, destacamos uma fundamental e, muitas vezes, esquecida: as antigas operárias da fábrica, mulheres que enfrentaram a desigualdade de condições e de salário para trabalhar e ajudar no sustento da família naqueles primórdios do século 20.
Confira o texto original:
“No princípio da colonização, boa parte das mulheres imigrantes trabalhava na roça, junto com o marido e o restante da família. Com o esgotamento dos lotes, e a atração exercida pelas fábricas na cidade, com a possibilidade de ganhos maiores, muitas famílias passaram a se inserir no regime do trabalho assalariado como operários da indústria. As mulheres também se inseriram nesse processo, o que representou alguma distinção para elas, especialmente ao receberem o seu próprio salário, embora a autoridade do homem prevalecesse no âmbito da casa, sendo comum a entrega do seu ganho à figura masculina (em alguns casos, também à sogra)”.
Conforme destacado na pesquisa, dentro das empresas foi comum a mulher ter um papel secundário, uma vez que elas recebiam salários inferiores em comparação com os homens e realizavam tarefas mais simples e repetitivas.
“O entendimento que imperava era o de que as mulheres, por “razões próprias do seu sexo”, tinham capacidades inferiores em relação às capacidades masculinas e, portanto, muitas passavam anos na execução das mesmas funções no interior da fábrica, sem a possibilidade de ascensão a postos de chefia ou administração”.
Equiparação salarial em 1939
Um exemplo dessa cultura que diminuía as mulheres está presente em um depoimento do próprio diretor da Metalúrgica Abramo Eberle. Em 1939, novas leis indicavam a fixação de um salário mínimo para os trabalhadores da indústria, como também a equiparação do salário entre homens e mulheres.
Diante da polêmica, o jornal “A Época”, editado em Caxias, fez uma enquete com alguns diretores de fábricas para que expusessem suas opiniões. O Educa Maesa selecionou o trecho em que José Eberle (o Bepin) falou sobre o assunto, na edição de 20 de agosto de 1939:
"No que diz respeito aos homens, em muito pouco nos afetará o salário mínimo porque só virá a atingir em nossa fábrica um limitado número de aprendizes. Afora estes poucos, todos os nossos operários percebem salário superior ao estipulado como “vital” pela Comissão do Salário Mínimo do RS. Mas, em relação às mulheres, o problema já é outro. Antes de tudo, as próprias condições econômicas das mulheres têm aspecto bem diverso que às dos homens. Isto é cousa pacífica, que dispensa demonstrações. Além disto, não é menos exato que a eficiência do trabalho da mulher fica aquém da do homem, ressalvados alguns casos de especializações em determinados serviços. Dentro duma fábrica, pode o homem ser aproveitado para os mais diversos trabalhos exigidos pelas circunstâncias, ao passo que a atividade da mulher tem que se circunscrever a apenas certos serviços compatíveis com o seu físico e condições peculiares ao seu sexo. Não me parece justo, portanto, que se equipare ao dos homens o salário das mulheres diante da realidade das razões supra expostas. Ocorre-me citar, a propósito, que quando fiz um estágio de prática numa fábrica da Alemanha, tive a oportunidade de constatar que o salário das mulheres era 60% daquele dos homens, isto de modo geral e com poucas variações nas indústrias daquele país. Porém, muito embora assim pense, se de fato for fixado o mínimo e a igualdade de ordenados, a nossa firma não relutará na equiparação dos vencimentos das mulheres, porque, antes de mais nada, temos respeito e acatamento a tudo o que é instituído como lei. Dos nossos operários, cerca de 25% são mulheres.”
Gigia Bandera
Outro elemento que demonstra o pensamento sobre o papel das mulheres que caracterizou a primeira metade do século 20 é a própria história da Metalúrgica Abramo Eberle.
A data de fundação, em suas publicações oficiais, sempre remete ao ano de 1896, quando Abramo Eberle (1880-1945) assumiu os negócios, o que resulta em um esquecimento a respeito do período de uma década aproximadamente em que Luisa Eberle, a Gigia Bandera, permaneceu à frente da oficina de funilaria.
Curadoria e pesquisa
O Projeto Educa Maesa foi executado durante os meses de outubro e novembro de 2020, tendo como campo de atuação o Instituto Memória Histórica e Cultural (IMHC) da UCS.
Sob a orientação de Anthony Beux Tessari (diretor do IMHC e professor no curso de História), o estágio adaptou-se às restrições da pandemia e foi realizado integralmente à distância, com a participação dos seguintes alunos: Alice dos Reis De David, Bianca Mascarello Giotti, Brenda Martins de Matos, Ezequiel Milicich Seibel, Jocimara Strada da Silva, João Pedro Cavalheiro, Juliana Poloni da Cunha, Matheus Pandolfi Martins, Rodrigo Santos Camargo e Sabrina de Lima Greselle.