Tenho voltado a ler um pouco de Roland Barthes. Adoro a versatilidade do autor francês, que nem de longe é de fácil compreensão. Acho interessante observar as diferentes facetas dele, que flerta com a teoria literária, a semiologia, a crítica cultural, a filosofia, o estruturalismo, a morte do autor (uma publicação é a soma de todas as publicações que vieram antes, sem ser possível chegar à autoria) e até com as percepções sobre o amor. Ou sobre o prazer do texto, que seduz não pelo que diz, mas como diz — justamente pela fruição.
“Se leio com prazer esta frase, esta história ou esta palavra, é porque foram escritas no prazer. Porém, o contrário não é verdadeiro”, diz uma das sentenças escritas pelo francês, considerado um dos maiores intelectuais contemporâneos. Em outra, ele, que morreu em 1980, aos 64 anos, em um acidente de carro, provoca: "o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Vale a dúvida, ao menos".
Já que pensar é um exercício interessante, sigo nessa linha e me dou conta de como existem muitas evidências que passam despercebidas no dia a dia, prontas para serem reveladas. Ou, ao menos, consideradas. Há bem pouco tempo, ouvi alguém versando sobre sofrimento versus alegria. O interlocutor dizia que a pessoa não precisa esperar estar curada para se dar permissão a ser feliz, que a lógica consiste justamente no contrário: quando ela começa autorizar-se a ser feliz, apesar de tudo o que viveu, significa que está cicatrizando.
Ouso dizer mais: não precisamos entender sobre signos, símbolos e elementos linguísticos para perceber o óbvio. Mas a teoria nem sempre reflete a prática. Vejam um exemplo banal: se eu pedir para pegar uma laranja qualquer, cortá-la ao meio e espremê-la com a maior força possível o que vai sair? Suco de laranja, obviamente. E por quê? Porque é o que está dentro e, mais cedo ou mais tarde, vai vazar.
Se deslocarmos o exemplo ao cotidiano, talvez tenhamos que nos deparar com o inequívoco. Quantas vezes alguém nos magoa, nos enfurece, nos entristece, nos deixa ansiosos e pensamos estar magoados, brabos, tristes e ansiosos porque o outro nos fez sentir assim, quando, na verdade, ele só possibilitou que, espremidos, sentimentos que já estavam dentro transbordassem.
Voltando a Barthes — e sempre cheia de dúvidas —, lembro que até o amor é problematizado. Para ele, o que a pessoa ama de fato não é o objeto do amor, mas o próprio discurso do amor. Ou seja, como nas vezes que conseguimos olhar para dentro, os vestígios de bem e mal estão em nós mesmos.