A menina passa por mim na Rua Borges de Medeiros toda vestida de preto, com cabelos esvoaçantes na cor lilás e coturnos adornados por asas de morcego, que se abrem e se fecham a cada passo — cada pé carrega um pedaço delas. Fiquei fascinada pelo movimento da parte do bicho feita em couro e pelo jeito blasé dela. E nem gosto de gente blasé.
Comecei a imaginar se ela estava nem aí para a opinião alheia, ao escolher um acessório tão inusitado, ou se fazia questão de provocar alguma comoção, já que era pouco provável não notá-la. Saber o que se passa exigiria uma aproximação e um interesse mútuo de troca. E a questão instigante, de verdade, é que não dá para saber. Ao menos não só de olhar para ela.
Não dá para saber se aquela mensagem de WhatsApp lida às pressas entre uma reunião e outra tinha o tom grave do interlocutor ao escrevê-la como pareceu. Se a mensagem apagada era uma provocação, uma deselegância, uma piada interna ou só uma distração. Ou se a abreviação de beijo como bjs era motivo suficiente para provocar mal-estar ou se tratava apenas de um coloquialismo.
Não dá para saber como teriam sido os próximos dias com gente querida que nos deixou precocemente e só aparece nos sonhos. Como vai ser daqui para frente comemorar aniversário, Dia das Mães, natais em outra configuração, com o lugar à mesa sem ser preenchido.
Não dá para saber no que as pessoas se transformam depois que nosso vínculo com elas muda, antes da partilha de bens, depois da mudança. Assim como não dá para saber como vai ser a nova vida, o período de luto de uma história que se encerra, as possibilidades que surgem com a tomada de decisão. Com o despertar para si, com o conhecimento dos próprios desejos e limitações.
Não dá para saber se Schopenhauer tem alguma razão ao falar que querer é essencialmente sofrer, que o prazer da realização dura pouco e que estamos divididos entre o desejo de ter e o tédio de possuir. Não dá para saber se minha opinião é distorcida, já que considero o filósofo pessimista demais para o meu gosto.
Não dá para saber se o curso com a escritora favorita tem potencial de desencadear textos poéticos ou apenas satisfazer a expectativa. Ou se é um instante para, como diz Camus, fugir do Mito de Sísifo. Não dá para saber se a pedra empurrada morro acima, repetidamente, vai um dia virar poesia como virou com Drummond. Ou vai ser prosa.
Também não dá para saber se todas essas suposições fazem sentido para os outros. Se o pingente do Pequeno Príncipe ressoa nos outros como em mim. Se o clichê literário do “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” encontra eco em outros corações, se as relações verdadeiras nunca são perda de tempo.
Não dá para saber por que a lei do retorno insiste em não retornar de forma rápida, nem dá para saber se ela existe, de fato. De que a maldade está na língua e falar dos outros é um sinal de descontentamento com a própria vida.
Não dá para saber o que as pessoas mais ousadas pensam sobre a opinião alheia: não se importam ou se importam muito? Não dá para saber – e essa dúvida é muito instigante.