Em algum dia dessa semana, ao voltar a pé do trabalho para casa, notei novas mensagens da Teca coladas nos postes da Dezoito do Forte. Desta vez, elegeu adesivos prateados para as intervenções poéticas. Parei para ler, fotografei alguns e, ao longo de uma quadra, fiquei pensando nela e nessa dedicação, já que repete a ação há anos.
Ao abrir minha caixa de correspondência, percebi que ela tinha deixado três mensagens para mim: “existe uma força mística em teu olhar”, “lancei aqui a sementinha do afeto. Espero que germine e cresça dando frutos de amizade” e “lembre: as flores precisam de um tempo para as pétalas desabrocharem”. Imediatamente mandei um áudio para agradecê-la pela gentileza e dizer que tinha gostado muito do gesto – como sempre faço quando ela me surpreende.
Eis que Teca estava mais sentimental do que de costume. Contou ter perdido a mãe há dois meses. Revelou que o objetivo de disseminar essas mensagem mudou: se antes era para que as pessoas tivessem um pequeno alento em meio aos dias cinzentos, agora as frases servem para fazer bem a ela mesma. “Só escrevo o que vem da alma”, sintetizou. Considero poética por si só a possibilidade de transformar dor em intervenção urbana, a fim de levar esperança a um desconhecido.
Situações desse tipo servem para reforçar a urgência da gentileza nas interlocuções, porque raramente dá para saber quais são os desafios enfrentados pelo outro. Sábado passado, fui assistir ao monólogo Alma Despejada, protagonizado por Irene Ravache. Na peça, uma mulher morta (de dengue, vejam só!) decide fazer a última visita à casa onde viveu e que acabara de ser vendida. O texto, lindíssimo e sensível, passeia por todas as etapas da vida dela, da infância aprendendo a escrever palavras à velhice. Assim, vai revisitando sentimentos, pessoas e tralhas que ficaram guardadas em algum lugarzinho daquele espaço.
Interessante perceber como a gente acumula itens que nunca mais serão usados, mas servem como quebra-cabeça de quem somos: um bilhete de amor, um ingresso de show, um desenho, uma conta, uma peça de roupa de um momento especial. Nós nem estamos mais neles — eles que estão em nós —, mas servem como um mapa para nos lembrar quem fomos até virar o que nos tornamos. E, se pararmos para pensar, existe um tempo grande gasto, por boa parte das pessoas, tentando parecer algo que não é. Mas, na hora da saudade, da lembrança, nunca são essas tentativas, esse invólucro que vêm à mente, né?
São as frases bonitas em uma conversa aleatória, o jeito que a pessoa olha, o toque da ponta dos dedos, o abraço, o colo. Como a vó fazia cosquinha nas costas significa bem mais do que a importância social que ela tinha. Esse, para mim, é o grande desafio do nosso tempo acelerado: não perder tempo, não negligenciar os afetos, as pausas, as relações (breves ou duradouras) que integram nosso caleidoscópio afetivo e, em um momento de voltar a si, é lá que vamos nos encontrar, por mais perdidos, tristes ou distantes que estejamos. Armazenadas, as boas energias e memórias servem de combustível para nos ajudar a seguir — nos dias fáceis e nos mais desafiadores.