— Responde uma coisa: um dia tu vais querer ser feliz de verdade?
— Não — sentenciou.
Nem me espantei. Esse foi o retrato breve de uma conversa mais breve ainda com um amigo de longa data, de quem gosto muito. Ele tinha acabado de fazer uma gentileza enorme por mim — inesperadamente, porque nem sabia se poderia contar com ele ainda — e quando percebi, ele era o mesmo de sempre: preocupado e disponível. Como esteve muitas outras vezes quando precisei chorar. Nesse dia, me abraçou por meia hora, tempo em que minhas lágrimas escorreram sem parar, com maior ou menor intensidade, e à medida em que eu fui me acalmando ele me olhou nos olhos como quem diz “vai ficar tudo bem” e se despediu. Simples e importante.
— Eu também saí melhor — disse. — Apesar da energia ruim — brincou com minha afirmação, de que eu estava sugando as forças dele.
Depois, fiquei pensando nessa dicotomia entre querer ser e ser feliz de fato. E em como isso implica em uma escolha diária, uma busca orgânica em direção ao que nos preenche. Naquilo que fica, no que decidimos guardar. Nas lembranças, no universo inteiro que permeia nossas subjetividades. Dias ruins são circunstanciais, acredito. Servem para reforçar que os outros todos são — perdoem-me o clichê — bênçãos. Presentes. Aqui e agora.
Me dei conta que, na última quinta-feira, fez 25 anos que perdi meu avô materno, uma figura maravilhosa com quem tinha bastante proximidade. Ele morreu repentinamente, em casa, após a ruptura de um aneurisma. Foi ele meu maior incentivador de leitura e escrita, que mostrou como é mágico ouvir e aprender a contar histórias, ensinou a observar os vagarosos movimentos da natureza, a cuidar daquilo que não aparece — como quando ele amarrava pelo de ovelha em volta do tronco das árvores para que as formigas não danificassem as folhas.
Sempre achei muito curiosa aquela figura que eu adorava desenhar a caneta em folhas, guardanapos e toalhas de papel ser tão calma e versada em tantos assuntos e mesmo assim agir com a simplicidade dos incautos. Amo a história de que ele baixava a voz em uma situação de conflito, para que os demais precisassem silenciar para ouvi-lo e, assim, a história se resolveria. Minha gringuice ainda não atingiu esse grau de iluminação.
Ao perceber o aniversário de morte dele, também percebi que já vivi mais tempo sem meu avô do que com ele e isso não faz o menor sentido. Aí penso nas minhas crônicas que ele não leu ou nos textos jornalísticos que não me viu escrever. Se ele já gostava das minhas redações sobre sapecadas de pinhões na chácara, tenho certeza que adoraria ponderar sobre a necessidade de aprofundar algum assunto — e, possivelmente, pegaria um dos muitos livros da biblioteca para ajudar a ilustrar aquele momento. E me lembro de todos os outros instantes que ele adoraria ter visto: netos se apaixonando/casando/separando/se apaixonando de novo, viajando, mudando de vida, tendo filhos e continuando a se reunir e lembrar dessas histórias singelas e cheias de significado.
Ele não está aqui há mais tempo do que já esteve, mas ainda está como sempre esteve. Louco, né? Assim como meu amigo querido, que vive longe e perto. Acho que é porque as pessoas que amamos nunca saem completamente das nossas vidas, nem da gente — ainda mais de quem escolhe guardar o melhor que elas inspiraram.