Quando eu era criança, adorava colher cenouras na horta da chácara. Bastava que as primeiras folhas ficassem um pouco acima do solo para arrancar a raiz e, enfim, descobrir o tamanho do legume — que costumava ser bem pequenino. Aí eu passava a mão nele para tirar o excesso de terra e o comia ali mesmo, degustando o que até pouco tempo era uma plantinha. Essa mágica da descoberta sempre me encantou.
Já hoje fico um pouco incomodada com as surpresas que nem sempre são tão boas, como descascar um pinhão e descobrir que ele está estragado. Talvez por ele parecer tão perfeito e, ao olhá-lo mais de perto, constatar que não passava de ilusão de ótica. Isso porque é impossível, sem que a semente se abra, ver o que está dentro dela.
Esse é um exercício similar a ir a feira orgânica: as frutas sem agrotóxicos são mais saudáveis e também são mais feias. Ou seja: nem sempre o que está aparente é real — e nem vou entrar na seara das redes sociais.
Faço uma analogia simplória entre comidas e a maneira com que as pessoas versam sobre o mundo alheio — e escrevo esse texto depois de ter presenciado situações que provocaram leituras bem distorcidas sobre a realidade. Muitos só veem as frutas bonitas, arrumadas na prateleira do súper, sem se preocupar com o que está dentro delas. Muitos julgam alguém sem ter ideia do que ele está passando.
Nem vou fazer ode à empatia, só quero provocar uma reflexão sobre a dificuldade de se colocar no local mais difícil do mundo: o lugar do outro. Não sei em que momento perdemos a capacidade de buscar o melhor das pessoas, de perceber uma fragilidade como forma de aproximação, de entender que todo mundo está lutando batalhas invisíveis. Por que, então, instaurar um tribunal inquisitório por qualquer descontentamento?
À distância, acho um privilégio alguém ficar emburrado durante dias porque o time do coração deu vexame, diante de tanto problema aparentemente mais sério e concreto na sociedade. Penso melhor, no entanto, e percebo que isso pode apenas ser um gatilho para outras frustrações, que acabam sendo demonstradas da forma que a pessoa consegue. Uma válvula de escape. Uma transcendência. Só dá para oferecer aquilo que carregamos dentro: lide com isso!
Postei nos stories do Instagram, essa semana, uma frase linda do Mia Couto, que está no livro O Outro Pé da Sereia e diz que “a vida são golpes, costuras e pontes”. Achei uma síntese perfeita do amadurecimento. Sempre torço para que as costuras não sejam tão trabalhosas e que as pontes sejam estabelecidas de forma orgânica — apesar dos golpes — para que a gente saiba respeitar as diferenças e perceber que aquilo que dá sentido são os pespontos que vamos criando. Eles às vezes descosturam, arrebentam, não resistem ao impacto, mas sempre podem ser refeitos, nem que sejam em outra direção.