Achei a maior graça de uma das conversas que ouvi sem querer, a caminho do Santuário de Caravaggio. Nela, um homem alto trajado com camiseta de um grupo de motociclistas, contava a história de alguém “que parecia um bicho preguiça, daqueles que ficavam comendo só folhinhas e dormindo, mas tem um barrigão”. Muito aleatório, como muitas dessas conversas dos mais de 15 quilômetros de caminhada.
Junior, meu cunhado paulista que me acompanhou pela primeira vez, parou para fotografar várias imagens durante o trajeto — de plaquinhas com mensagens motivacionais a flores em meio à vegetação —, comentou sobre o rastro de cascas de bergamota deixado pelo caminho, contou os quilômetros e o número de pessoas que andavam de pés descalços e queria saber se a subida mais difícil era a próxima.
É interessante observar de perto o entusiasmo de quem vive alguma experiência, por mais singela que seja, pela primeira vez. Essa alegria de lançar-se ao desconhecido é uma das sensações mais interessantes de todas. Eu, que já percorri esse trajeto várias vezes, ainda fico encantada com a paisagem de outono, com a cor das folhas das árvores, com as casinhas de madeira em cima do morro, embora eu saiba o ponto onde elas vão aparecer. Anos após ano, tento observá-las sem banalizar o olhar.
Porque depois que a gente olha para algo pela primeira vez, essa percepção se encerra: nunca mais será a mesma. Podemos imaginar, sonhar ou temer como algo será, mas depois que ele acontece pela primeira vez, nunca mais sentiremos a mesma emoção. Não ver pode evitar, inclusive, algum sofrimento — que, no fundo, é inevitável, mas não está à mostra.
Tomo o desconforto que senti nos pés na caminhada como metáfora. Pensei que era só por estar com um tênis que nunca tinha usado para percorrer distâncias mais longas. E segui em frente, mesmo sem conseguir me desconectar da sensação do dedo raspando em algum lugar durante as duas horas e meia. E tudo transcorreu bem, apesar do leve incômodo.
Só que, ao chegar em frente à igreja, decidi tirar o tênis e a meia e percebi que havia uma bolha enorme no dedinho. Depois de vê-la, ficou difícil fazer de conta que sentia apenas um possível incômodo — eu sabia que havia um machucado real. Meu desconforto aumentou ao recolocar meia e calçado e passei a cuidar mais do jeito que estava pisando no chão.
Não sentia mais dor do que antes nem nada diferente: só tinha visto o que aconteceu. E depois que a gente enxerga, é só a fé — em uma santa ou na própria capacidade — que dá forças para seguir o caminho, dia após dia, apesar das feridas que surgirem.