Cheia de curiosidade, volta e meia me pego fazendo mil perguntas para um amigo palhaço sobre os desafios de estar em cena, de se expor, etc. Entre muitas explicações interessantes, contou que tudo é muito partiturado (amei a expressão!), ou seja, todos os movimentos são bastante pensados e têm uma lógica de estarem ali, tal como notas em uma música, o que abre espaço com alguma segurança para as improvisações. Lá pelas tantas, questionei se ele não tinha medo de que as escolhas não funcionassem. Com a calma de quem tem anos de relação com plateias diversas, filosofou:
— É o medo que faz crescer e é errando que você vai entendendo sobre o risco, sobre o estar vivo e presente, sobre o que realmente o público deseja. Ele quer ver o artista em apuros, como lida com o erro. Com o inusitado. Ele deseja que você erre a todo momento, ele quer ver um palhaço totalmente vulnerável a possibilidades, que seja um jogo de verdades, de valorização desses encontros.
Achei uma metáfora ótima para a vida — e ele completou dizendo que o palhaço representa a vida em sua totalidade e complexidade. E prometeu voltar ao assunto com mais tempo. Saber esperar o momento também deve estar nesse pacote das interações, mas decido focar na vulnerabilidade, talvez por ser um conceito que eu conheça um pouco mais.
Vulnerabilidade é libertadora para quem sabe um pouco do trabalho da Brené Brown. A pesquisadora, que volta e meia aparece nos meus textos, fala que ter a capacidade de mostrar as imperfeições funciona como um medidor da coragem. O quanto uma pessoa dispõe-se a se entregar ao imprevisível diz muito sobre ela. E, olhando para o dia a dia real, é bem difícil conseguir chegar nesse grau de libertação.
Assistindo a um filme bem bobinho e sem grandes expectativas sobre ele, fui surpreendida por um diálogo entre uma mulher e o guia de viagens que a acompanhava pelo Vietnã. Metódica, tinha feito uma lista de tudo o que gostaria de ver enquanto estivesse no país, e ele tentava dissuadi-la da ideia de que viajar era completar um álbum com lugares tidos como obrigatórios. Viajar é sempre uma oportunidade de sair da zona de conforto — se é que ela existe para alguém.
Não convencida, a personagem tirou da bolsa umas anotações e ele nem deixou que ela as abrisse, porque não era uma turista, mas uma viajante. A mulher quis saber a diferença.
— Um turista quer fugir da vida. Um viajante quer vivenciá-la — disse o guia.
— E qual o problema em querer fugir da vida de vez em quando?
— Você nunca sabe quanto tempo vai viver. Para que viver fugindo? Passe pela vida a vivenciando.
Simples e adorável. Viver, como ensinou o palhaço, é estar presente, exposto, vulnerável. Com ou sem partitura, afinado ou desafinado, acertando e errando, mas decidido a correr os riscos para se sentir inteiro até com as próprias imperfeições.