“Onde houver ódio, que eu leve o amor”, diz um dos versos da Oração de São Francisco, que é bastante difundida até entre quem não costuma ter vivência na religião. O referido santo abdicou de uma vida de riqueza aos 24 anos, em busca de uma vida com propósito e que proporcionasse a ele felicidade e realização. O caminho, nos seus escritos mais famosos, era transformar maus sentimentos em bons, a partir da implicação sobre a importância individual de cada um — “fazei-me instrumento de vossa paz”.
O preâmbulo é apenas uma ideia sobre o cerne dos meus pensamentos nos últimos tempos, em que ando assustada com tantas manifestações de ódio e intolerância. Em que momento desaprendemos a lidar com o controverso, a dialogar, a respeitar opiniões diferentes? E quando passamos achar que racismo, homofobia e xenofobia são liberdade de expressão e não crime? Tenho a impressão de que essas são as perguntas mais comuns nos últimos dias e com poucas respostas precisas.
Qualquer impressão dissonante tem potencializado desavenças e colocado a convivência a um passo de um campo de batalha. Como se a pessoa não pudesse explicar por que prefere pêssegos a maçãs sem provocar algum tipo de comoção. Ou quem prefere pêssegos, em vez de dizer por que gosta da fruta, precise dizer que todas as outras — ou a maçã, para ficar no exemplo anterior — são péssimas. E, para confirmar isso, começa a usar um monte de argumentos sem nenhuma comprovação só para atestar a sua razão. Parece absurdo, né?
A parte boa é que, é exatamente nos momentos de crise, pressão e descontentamento que as pessoas revelam o melhor (ou o pior de si). As máscaras caem e nos ajudam a perceber com quem estamos lidando – e, assim, descobrimos se temos espaço para acolher as diferenças na nossa vida.
Tento recorrer a pensadores como Hannah Arendt (1906-1975), uma das grandes vozes do Século 20, e no principal conceito difundido por ela: a banalidade do mal. A ideia apareceu na obra Eichmann em Jerusalém, lançada em 1963. Nela, a filósofa de origem judaica, relata que, em 1961, foi escalada pela revista The New Yorker para cobrir o julgamento do soldado nazista Adolf Eichmann e tinha uma ideia pré-concebida sobre o que encontraria nele: um monstro. No transcorrer do episódio, relata ter percebido que ele era apenas um funcionário cuidadoso, que cumpria as ordens que recebeu sem questioná-las ou pensar nas implicações que provocariam. Eis o mal banalizado.
A obra, obviamente, é controversa até hoje, ao versar que comportamentos de ódio não são necessariamente praticados por monstros, mas por pessoas que vivem como nós. Nessa massificação, tornam-se incapazes de fazer julgamentos morais, não refletem sobre o que está acontecendo e apenas reproduzem o status quo.
Por isso pensar, ler e ter noção de contexto são sempre boas alternativas à alienação. Por falar em pensar, tomo emprestada a sentença do escritor Marco Pórcio Catão (234-149 a.C.), que, divertidamente, diz: “cuide para que ninguém o odeie com razão”.