Alguém aí consegue lembrar o que estava fazendo no dia 17 de janeiro de 2020? A menos que tenha sido um dia muito especial, é pouco provável que exista o registro interno de uma data aleatória no calendário. Podemos dizer, então, que uma forma bonita de contar o tempo se revela pelos momentos significativos em que interagimos com os outros. Eu adoro pensar nisso, em como quem caminha ao nosso lado torna o percurso mais bonito. Vinicius de Moraes, n’O Samba da Bênção, já foi bem mais efetivo e poético do que eu, ao sintetizar a ideia de que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.
Podemos pensar, também, naqueles instantes que transformam o cotidiano, como o abraço carinhoso no final daquela quinta-feira, que trouxe frescor aos afetos. É um pouco isso: uma única interação que não se encerra nela mesma e acaba se transformando em possibilidade. Pode ser, também, uma nova forma de olhar para si, a partir dessas descobertas. São os afetos, encontros e desencontros que nos ajudam a mostrar quem somos. Servem como nossos guias e nossos espelhos.
Sendo assim, já parou para pensar em quem você está se enxergando?
Se considerarmos que filósofos como Platão versaram que afetos e paixões eram fracassos e deveriam ser corrigidos por meio da razão, ou como René Descartes (1596-1650), que estabeleceu separação entre mente e corpo, sendo a mente capaz de dominar os afetos, a teoria de Baruch Spinoza (1632-1677) surge como um avanço para repensar o papel dos afetos (para ele, como nos sentimos pelas circunstâncias do entorno e como também determinamos aos outros a maneira de agir).
Gosto muito da percepção dele, que nos considera seres de encontro. Diz que essas interações afetam nossa potência de agir. As boas, obviamente, aumentam nossa capacidade de seguir em frente. As ruins, nos deixam tristes, diminuem nossa força motriz. “Alegria é a passagem do homem de uma perfeição menor para uma maior”, escreve. Os afetos, portanto, são o que de mais real existe em nós. Não dá para disfarçar, forjar, nem simular no Instagram. Ou existe ou não temos nada.
Não podemos perder a perspectiva e o olhar crítico ao observar quem está por perto — se for a pessoa que você ama, melhor ainda — ajuda a mostrar nosso melhor? A perseguir nossos sonhos? Consegue acolher nossas angústias? Encoraja a enfrentar nossos medos e fantasmas? Ajuda no nosso crescimento, expressa admiração e evita julgamentos sobre nós? Se as repostas forem não, a tendência é nos aproximarmos da tristeza.
São, pois, os bons encontros, segundo Spinoza, que nos fazem querer viver com mais intensidade. São eles que eternizam os instantes e fazem a vida valer a pena, apesar de tanto desencontro.