Assisti ao incensado Boa Sorte, Leo Grande, de Sophie Hyde, a partir de uma recomendação. Antes de ver o filme, já sabia da repercussão que o discurso da protagonista Emma Thompson tinha provocado durante o Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro. Ela protestou dizendo que as mulheres sofreram uma lavagem cerebral para odiar o próprio corpo. E falou sobre como o prazer feminino nunca é um assunto em questão.
Li uma entrevista dela explicando que essa atuação foi uma das experiências mais difíceis da carreira. Isso porque precisou olhar para si mesma, desnuda, num reflexo: “tente se olhar no espelho sem roupa e sem se mexer. Apenas aceite e não julgue. Eu fiz algo que eu nunca tinha feito como atriz”. E essa imagem é bastante emblemática no filme. A cena é marcante por não esconder as dobras da pele, a flacidez dos seios, a barriga protuberante e, ainda assim, conseguir encontrar um espaço de deslumbramento.
Fato é que não estamos acostumadas a nos olharmos de forma complacente, nem estamos mais treinadas a ver mulheres reais, sem filtros. Haja campanhas para dar conta disso!
Emma interpreta Nancy Stokes, uma viúva recatada com mais de 60 anos, dois filhos crescidos, em busca de novas experiências sexuais e, quem sabe, algum inédito prazer. Ela decide contratar um garoto de programa — jovem, gentil, sem preconceitos e com músculos bem torneados — para experimentar a companhia de outra pessoa que não o marido morto. Ele que, aliás, nunca se preocupou em satisfazê-la. Imaginem quanta novidade aparece naquele quarto de hotel. Ela fez até uma listinha do que gostaria de tentar fazer e, creiam, não tem nada de muito ousado. Mas, para Nancy, é uma subversão.
O filme é tocante, porque transcende a questão do prazer: fala sobre amor, carência, afeto, traumas, relações familiares e frustrações. Da necessidade e dificuldade dos encontros que dão sentido à vida. O acompanhante não teme nenhum assunto, exceto sobre sua intimidade. A cliente, uma mulher que não se sente atraente, tem uma visão superconservadora sobre a vida e demora a aceitar a fragilidade e os próprios desejos.
O debate sobre corpos e autoconfiança aparece com bastante relevância, para ambos. E o não-dito mostra que existe muito dentro da gente que ninguém imagina — sorte de quem consegue compartilhar vulnerabilidades com alguém, nem que seja por poucos encontros. Mais sorte ainda de quem consegue se aceitar como é e entendeu que, para aproveitar qualquer relação, precisa antes descobrir o prazer que está dentro de si. Essa é a força transformadora capaz de fazer seguir em frente.