Dia desses, na aula de pilates, tive um ensaio de uma conversa que teria tempos depois, espécie de premonição filosófica da existência.
Fazia alongamento, com foco na parte posterior das coxas, e já estava suficientemente desconfortável quando a professora mudou a estratégia do exercício. Eu estava sentada em uma das pernas dobradas e com a outra sobre o aparelho que imitava um trapézio e ele se movia quando levava a perna para frente e, na sequência, precisava levá-la para cima segurando o aparelho com a ponta do pé. Fiz uma série com bastante concentração. Observei que meu desempenho melhorava a cada uma das 12 repetições. Na vez seguinte, ela propôs que, quando eu levantasse a perna, deveria também levantar o quadril, o que aumentou a dificuldade e o desafio muscular. Doeu. Reclamei um pouco. Resultado: depois de umas duas ou três vezes, a série anterior pareceu fácil. Bem fácil.
Aquilo que se anunciava como pouco provável que fizesse com naturalidade, acabei tirando de letra. E me dei conta que isso acontece o tempo todo na vida. A gente só descobre até aonde pode ir se decidir sair do lugar. E a cada vez que se mexe, vai deixando para trás uma série de aprendizados. Mesmo se não tomar essa decisão, precisa, de alguma forma, lidar com o imponderável.
Adoro um poema da portuguesa Matilde Campilho que se chama Fevereiro e traz uma metáfora maravilhosa. Ela escreve que “o amor quando aparece é em tudo semelhante à forma física do mercúrio no mundo. Quando o vidro do termômetro se quebra, o elemento químico se espalha e então ele fica se dividindo pelos salões de todas as festas. Mercúrio se multiplicando. Acho que deve ser isso uma das cinco mil explicações possíveis para o amor”. O amor, no caso, não é nem a pergunta nem a resposta, mas pode ser um mapa. O segredo está em aceitar, estoicamente, que não controlamos as coisas — só precisamos aprender a, também, não sermos controladas por elas.
Depois que sabemos lidar com isso — mercúrio, amor, dores, estiramentos e caos —, tudo parece mais acomodado. Liguei para cumprimentar um dos meus amigos favoritos, que estava de aníver e, entre muitas histórias e risadas, falamos de como a vida acaba se apresentando sempre com mais desafios do que achamos que podemos dar conta. E, no final, tudo se acerta e as situações vão parecendo mais simples, porque estamos preparados, calejados, machucados, refeitos ou curados para passar pelas pequenas provações cotidianas.
Olho para mim e gosto de ver esse movimento — embora pouca gente possa ver qualquer sinal de mudança. Sinto que a vida é uma extensão do alongamento do pilates: a gente pode até dar uma reclamada no começo, fica feliz por ter conseguido ir além e ainda aprende que nem dói mais depois da segunda ou terceira tentativa.