Você suportaria ficar mais um pouquinho?
Essa frase ecoou na minha cabeça a semana toda, fazendo que eu me juntasse à onda de pessoas indignadas com a fala da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que impediu uma menina de 11 anos, grávida após um estupro, ter direito ao aborto legal. Felizmente, depois de toda a repercussão, a vítima conseguiu realizar o procedimento.
A pergunta é apenas mais uma das formas de violência a que a criança foi submetida, ao ser estimulada a desistir da interrupção da gravidez. A manipulação, o julgamento, o apelo às emoções... Impossível ficar indiferente à isso. O mais triste é pensar que esse é um processo sistemático com meninas e mulheres.
Levando para outro contexto, tenho certeza que qualquer uma de vocês já foi desrespeitada/desvalorizada/coagida, em algum momento da vida (ou em vários), a aguentar mais um pouquinho. Sabe aquelas situações no trabalho, de assédio disfarçado de brincadeira? Aqueles que a gente fica sem reação na primeira vez que acontece e depois pergunta se fez algo para dar a entender essa disponibilidade? Que depois de alguns anos começa a fazer de conta que não existiu?
Sabe aquela aproximação indesejada, de alguém que ignorou o não? Que justificou dizendo que, às vezes, não quer dizer sim? Aquele beijo roubado, a mão sem convite em algum lugar do corpo, mesmo depois do não? E, depois da negativa, o xingamento por estar “se achando”?
Sabe aquele cuidado ao escolher o que vestir, pensando se a roupa está adequada, se não é provocante ou vai causar uma impressão equivocada? Sabe o que é ter que lidar com alguém olhando para o decote enquanto fala ou tocando o braço sem ter nenhuma intimidade? E, mesmo com uma calça de abrigo, ter que ouvir comentários sobre o corpo no caminho da academia à casa? E ter alguém sempre dando uma opinião sobre tuas formas?
Sabe aquela sensação de não ser boa o suficiente, de achar que não vai dar conta, de se sentir uma fraude? De se comparar, de achar normal ganhar menos do que um homem no mesmo cargo? De cuidar da casa e da família e não ser recompensada por isso, mas ouvir elogios para o parceiro por dividir as tarefas, como se ele fosse um unicórnio?
Sabe aquele evento importante cheio de autoridades que praticamente não tem mulheres participando, com a justificativa de que equidade de gênero não importa? Em que as rodas de conversa, não raramente, trazem alguma observação machista? De ter que ficar provando a competência e a habilidade intelectual, apesar do salto alto e do cabelo arrumado?
Sabe aquela história que meninas são, desde pequenas, estimuladas a competir com outras meninas e, quando adultas, encontram dificuldade em apoiar outras mulheres? De que são ensinadas a cuidar dos outros, a servir e, a partir daí, têm dificuldade de olhar para si sem culpa? Que demoram para desenvolver autoestima por causa das circunstâncias?
De como mulheres livres e conscientes de seu corpo e sexualidade são julgadas, também por pessoas mais conservadoras do sexo feminino, por terem um estilo de vida diferente e, às vezes, invejarem essa liberdade? De ter dificuldade para perceber as diferenças e o valor que existe nisso?
Você suportaria ficar mais um pouquinho?
A gente suporta, porque demora a entender o nosso lugar, o nosso poder, a nossa condição, a nossa força. E, infelizmente, algumas nunca entendem, de fato. Assim, ajudam a perpetuar essa corrente de violência.
Mais um pouquinho.