Assisti encantadíssima ao show de Jorge Drexler, domingo passado, em Porto Alegre, e passei boa parte do concerto suspirando com a percepção poética que o cantor uruguaio tem acerca do mundo. Lá pelas tantas, antes de cantar La Luna de Rasquí, contou a história que inspirou a letra da canção, escrita quando e estava em Los Roques, na Venezuela, em uma ilha muito pequena que só tinha uma casa — a tal Rasquí — e, ao sair do jantar “em estado de conexão espaço-temporal com o cosmos” decidiu caminhar pela areia, ladeado pelo mar turquesa do Caribe, e resolveu deitar-se para olhar a lua cheia. Teve, então, a sensação de que conversavam. E, no momento seguinte, imaginou-se como se estivesse um ponto cego — el punto cego de la pena — , em que não podia ver nem ser visto, como se o tempo tivesse parado, como se não houvesse espaço para qualquer tristeza ou frustração.
Drexler não se referia apenas a uma suspensão geográfica, mas também temporal. E “transportou” a história para o público: agradeceu a todos que estiveram conectados com ele, plateia e músicos, durante duas horas, com a atenção exclusiva àquele momento único de conexão. Um tempo feliz e vibrante, que se encerrava em si mesmo.
Achei a relação linda e poética.
Só momentos muito especiais nos fazem ter a sensação de parar o tempo, como se nada mais importasse. Foi bem assim que aconteceu no domingo. Torço para que eles não sejam raros, já que temos uma tendência natural a encontrar problemas em tudo. E, ao solucionarmos, achamos novas situações para nos preocupar.
Um estudo publicado anos atrás na revista Science pelo professor Daniel Gilbert aponta que redefinimos os problemas à medida em que eles são reduzidos. “Quando se tornam raros, contamos mais coisas como problemas. Nossos estudos sugerem que quando o mundo melhora, nos tornamos críticos mais severos dele, e isso pode nos fazer concluir erroneamente que ele realmente não melhorou em tudo. O progresso, ao que parece, tende a se mascarar”, escreve.
Gilbert acredita em um fenômeno chamado “mudança de conceito induzido pela prevalência”. O resultado é que, quando um problema diminui, as percepções das pessoas sobre esse problema se tornam maiores, o que pode levá-los a perder o fato de que o resolveram.
Em um dos experimentos descritos por ele no estudo, voluntários deveriam olhar para bolas na tela de um computador e classificá-las como roxas ou azuis. À medida em que as bolas azuis foram sendo reduzidas, os participantes começaram a classificar como azuis as que anteriormente tinham considerados roxas. Ou seja, nosso cérebro não aceita a redução da prevalência das bolas azuis e acaba distorcendo o que está vendo.
Por isso, é importante sabermos que os problemas sempre vão existir, em maior ou menor grau, e vão ficar mais complexos (e, por outro lado, menos difíceis). Importante também saber que devemos buscar encontrar algum punto cego de la pena, com uma blindagem às más energias, com alegria e paz momentâneas para equilibrar nossos dias.