Caminhava pelo Centro pensando sobre a frase do poeta Manoel de Barros – “poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)” – quando decidi parar para comprar flores. Assim como a presença do sol, acho que elas dão outro ânimo aos dias e ao apartamento sem jardim.
Como sempre, escolhi astromélias, que adoro. Havia mais de duas dezenas de ramalhetes coloridos a encantar, mas meu olhar foi imediatamente atraído para aqueles em que as flores eram azuis, minha cor favorita. Achei estranho, porque nunca tinha visto a flor naquela cor. Parei alguns segundos para observá-las, encantada, vi que ao lado existiam outras verdes e então perguntei o motivo ao florista:
— Elas não são exatamente naturais, porque é colocado um corante na água para que elas fiquem assim. Mas elas duram o mesmo tempo, viu? É só o azul e o verde que são artificiais.
“Só o azul”. Declinei a novidade sem nenhuma dificuldade e optei, titubeando um pouco para eleger flores amarelas e luminosas. Levei um buquê rosa para minha mãe e deixei flores brancas e vermelhas para trás. À medida em que ia me afastando, comecei a pensar no porquê da necessidade de usar uma tintura para atrair clientes – se é que isso os atrai. Tive um instante de súbita tristeza, de que até as flores, mesmo lindíssimas, precisam de atrativos artificiais para se destacarem. Num espectro mais amplo, o que sobra para os comuns/normais/naturais? Não é justamente a naturalidade que nos torna únicos?
Podemos transpor essa pequena percepção a quase tudo ao nosso redor. Quem, de verdade, está preocupado com a essência? Com o que não está posto, o que demora mais para se conhecer? E, mais difícil ainda, se mostrar exatamente como é?
São justamente os símbolos que têm mais peso e mais força do que a própria realidade em que vivemos, como bem apontou Jean Baudrillard (1929-2007), um dos principais pesquisadores da pós-modernidade. Por causa disso, surgem os simulacros, simulações malfeitas do real que, contraditoriamente, são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto reproduzido. Às vezes, não sabemos exatamente se a flor tem aquela cor ou não, ou se uma imagem que vemos é tal qual ela aconteceu. E haja filtro de Instagram para dar conta disso tudo, né?
Se não dá para fugir da nova realidade, ao menos temos que saber que existem novas formas de entender o mundo em que vivemos. Ou, como bem versou o poeta das miudezas, “tudo que não invento é falso”. Dá para acreditar?