Aos poucos, a vida começa a se expandir de novo. O advento da vacinação — eu já fiz as duas doses — e a diminuição das internações nos leitos destinados a pacientes com coronavírus trazem um alento, ao qual precisamos nos acostumar de novo. Eu ainda hesito ao encontrar as pessoas: ensaio os ridículos soquinhos, mas adoraria beijá-las e abraçá-las com vontade. Em algumas, até tenho tentado essa prática, mas normalmente ela vem carregada de algum tipo de constrangimento. Vejam no que nos transformamos. Estamos tendo que reaprender aquilo que sempre foi óbvio, corriqueiro e prazeroso.
Não por acaso, tenho ouvido relatos de diferentes amigos e amigas, que passaram por diferentes situações durante a pandemia, e que enfrentaram (ou ainda estão enfrentando) as próprias batalhas. A utopia de que sairíamos melhores dela não se confirmou, mas a reclusão serviu para dimensionar melhor quem somos e quem gostaríamos de nos tornar. Os efeitos serão mais persistentes do que podemos supor e reflexos disso já foram percebidos no Relatório da Felicidade Mundial, elaborado pelo Instituto Gallup em Parceria com a Organização das Nações Unidas. Foram entrevistadas 350 mil pessoas em 2020, residentes em 95 países. Constatou-se que o aumento da ansiedade e tristeza das pessoas a nossa volta não é só uma impressão: o Brasil caiu 12 posições no ranking, ocupando o pior lugar — 41º — desde que ele foi criado em 2005.
Li há pouco que somos o resultado das cinco pessoas com quem mais convivemos. Com o tempo, passamos a falar como falam, comer as mesmas comidas, assistir aos mesmos filmes e ouvir as mesmas músicas. Nosso “grupo de referência” acaba moldando quem somos. Nesse momento de retomada, vale levar isso, também, em conta: quem são aqueles que sabem comemorar nossos sucessos e abraçar nossos fracassos com a mesma verdade?
Precisamos aprender a reconhecer potencial nos outros, oferecer nosso melhor e lutar para que o brilho daqueles que estão próximos de nós não diminua. Lembro uma passagem que está em Solo de Clarineta, do Erico Verissimo. Ao fazer referência ao ofício, versa que “o que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade do seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão (...)”.
Eu amo essa metáfora de que precisamos acender todas as nossas luzes — e, com elas, acabamos ajudando a iluminar quem estiver com apenas a chaminha de uma vela queimando, antes que vire apagão.