Quando o Sol despontar no horizonte nesta segunda-feira, pouco antes terá mudado de signo. Terá deixado a morada da Lua, Câncer, para reinar em seu próprio domicílio, Leão. Depois de ter iluminado as águas de origens e de tradições, será tempo de expressar de forma original o que antes esteve em formação. Falo em termos astrológicos da relação sequencial desses dois signos, mas isso é somente pretexto para homenagear um artista que combina de modo exemplar Câncer e Leão: o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença.
Acabo de ler a biografia do astro, Pelas Ruas Que Andei, do jornalista Julio Moura. O livro foi presente de um querido amigo baiano que tem o Sol em Leão e a Lua em Câncer, mas ele não sabe dessa conexão temática. Sabe, sim, por me conhecer há décadas, do lugar de Alceu Valença em minha discoteca de vida — ih!, alguém ainda fala em discoteca? Se eu puxar pela memória, virá um catatau de histórias sobre Alceu. Ou melhor, minhas histórias como fã de Alceu, ou ao som de Alceu. Começa quando eu escutava, na adolescência, o disco Vivo!, e a empregada da casa, em choque, se persignava: “Credo, Nivaldo só ouve música doida...”.
Eu simplesmente adorava aquele cabeludo amalucado, que me surpreendia com sua mistura de hippie e cangaceiro, com seu timbre único e seu tom debochado, com suas evocações da cultura nordestina e suas letras e músicas tão inovadoras quanto irresistíveis. Embora fizesse parte da leva de artistas do Nordeste que agitava a música brasileira, Alceu era inclassificável. Um doido, no melhor sentido. Aliás, como mostra o livro, na infância ele era chamado de “o doidinho de Dona Adelma”, por suas estripulias e tendência circense natural.
Alceu veio ao mundo na pequena cidade de São Bento do Una, no agreste pernambucano, em 1° de julho de 1946. Era fim de madrugada, e o signo de Câncer surgia no horizonte, anunciando o Sol que logo raiaria no mesmo signo. Era o anúncio de uma identidade a ser embasada nas matrizes culturais e em muita sensibilidade. Em aspecto com o inspirador Netuno, o Sol já se inclinava para a música e para o imaginário. E o menino cresceu fascinado com o cantar dos aboiadores e dos repentistas, com os ritmos das bandas de pífano, do baião, do maracatu, do coco e da embolada, até encontrar o frevo no Recife, para onde se mudou depois.
Saturno, também em Câncer no mapa, reforçava um compromisso com suas raízes. Mas isso ficou longe de qualquer conservadorismo ou amarra a tradições. A fila de astros no signo de Leão — a regente Lua e mais Mercúrio, Vênus e Plutão —, empurrava Alceu para a criação de um estilo próprio, leoninamente exuberante, comunicativo com seu tempo. Ainda na década de 1970, ele já definia seu trabalho como “uma tentativa de encontrar uma nova forma, que parta de bases brasileiras, mas que seja de agora, contemporâneo”. E pela arte das misturas, entre a zabumba e a guitarra, ele conseguiu sintetizar Câncer e Leão em sua vasta obra. Achou um propósito: “Me sinto na obrigação de devolver para o meu povo sua cultura reinventada”.
E eis o homem, nascido para o palco, sedutor das plateias mundo afora ou Brasil adentro. Eis um artista de impulso criador compulsivo. Com a força de Mercúrio, eis o saltimbanco, o mágico, o moleque, o anjo avesso. Eis o cidadão antenado com seus deveres cívicos e sempre atuante na vida coletiva. Eis o bicho maluco beleza, que hoje atrai cada vez mais jovens aos seus shows. E quando ele se anuncia, logo uma multidão canta em coro: “Tu vens, tu vens, eu já escuto teus sinais”.