Outra vez a Feira do Livro de Caxias do Sul ocorre sob o signo de Sagitário, que tem tudo a ver com a literatura. Essa arte acompanha a trajetória humana como um campo de ampliação da visão e de aumento do conhecimento. A literatura é um espelho no qual podemos nos mirar e nos inspirar em direção a horizontes mais abertos. E o tema dessa edição da feira caxiense é bem sagitariano: “Ler para (se) mover”.
Sim, a leitura aciona nossa mobilidade, para dentro e para fora. Mudamos nosso mundo e mudamos o mundo com a luz da razão e da reflexão, com o poder da imaginação e dos sonhos. Cada leitura que fazemos é uma viagem, é uma flecha que nos conduz a outros universos. Livros são também passaportes. E sua publicação é uma empreitada expansiva tipicamente sagitariana.
Apesar da crescente virtualidade, o livro, assim como o conhecemos, impresso em papel, sempre terá lugar. O teórico italiano Umberto Eco cansou de dizer, em entrevistas, que, sim, há futuro garantido para o livro. Segundo ele, “é como uma colher, um machado, uma tesoura, esse tipo de objeto que, uma vez inventado, não muda jamais”. É um formato que sobrevive à efemeridade mercantil dos artefatos tecnológicos, além de oferecer comodidades únicas e insubstituíveis.
Sob o céu de Sagitário, lembro que a patrona dessa edição da feira caxiense, a querida amiga Alessandra Rech, nasceu com a Lua nesse signo. Isso indica que ela já traz na alma a paixão pelo conhecimento, e tanto nutre-se dele quanto o faz alimento a ser partilhado com os outros – e o Sol dela em Aquário só reforça uma missão social que envolva o saber. O aguadeiro entende bem de derramar-se em luzes. Aliás, Aguadeiro é o título do primeiro livro dela.
Busco na estante esse volume da Ale. Mas antes encontro o Mirabilia, crônicas publicadas em 2014, e o abro a esmo. Uau, olha a coincidência! Na página 170, leio: “A poucas quadras dali, a Feira do Livro e suas bancas recém-brotadas do basalto, como as flores da estação. E o que seria essa ruptura na solidão da Praça, se não o alívio do tempo desconsolado da cidade?” Mais adiante, outra beleza de imagem: “como os gatos, os livros têm a capacidade de se jogar no colo da gente”.
É a maravilha sagitariana! O texto prossegue no tema: “Livros também podem ser comparados a mãos que seguram as nossas: rabiscam ideias, originam imprevistos desenhos – sorridentes, trêmulos. Separadas as mãos, uma de volta ao corpo, a outra, à prateleira, não se pode dizer a autoria da arte que fica insinuada na memória”. E a autora conclui: “Livros, em sua brincadeira de papel, também fazem milagres com o tempo. Transformam a gente em crianças-anciãs – lúdicas, sábias, livres”.
Esse encontro impensado com visões tão inspiradas do tema sobre o qual escrevo ilustra bem um elemento iluminador inerente à literatura. Agora, como não reconhecer, tomando emprestado o olhar da Ale, as bancas da Praça Dante como flores da estação, a romper a dureza de uma cidade sob o desalento de longas tristezas? Como não se deixar enredar no efeito encantador dos livros em sua subversão do tempo? Ah, milagrosas brincadeiras de papel que nos despertam e nos transformam no melhor do que podemos ser!
Não devolvo o Mirabilia à estante. Está na hora de o reler. Porque livros também são portais que se revelam em renovadas nuances a cada nova travessia. Assim, enlaço minhas mãos às mãos desse guia encadernado – e às mãos da Ale. E cheio de ânimo, me deixo mover pelos mundos íntimos e externos. Viver é movimento.