O Sol deixa Escorpião neste domingo, às 23h35min, quando entra em Sagitário. É a passagem de um signo de profundezas e intensidades para outro de aberturas e significados. Isso ocorre todos os anos, nesta mesma época, mas ganha agora uma atenção a mais por conta do longo e exaustivo contexto de crise que atravessamos. Qualquer flecha apontando para o alto já é um bem-vindo alento.
Não quero dizer que Sagitário seja “melhor” que Escorpião – sem os expurgos deste, não se chega ao propósito maior daquele. Tampouco que nossos “infernos” cessarão somente por essa mudança de signo. O que destaco aqui é o aumento de nossa compreensão sobre o processo de lida com sombras coletivas, potencializado pela pandemia e por situações sociais específicas.
Na sequência da roda zodiacal, é a partir de perdas e mortes literais ou simbólicas, em Escorpião, que a mente superior abre-se, em Sagitário, para o entendimento das experiências vividas. Não à toa, a complicada relação com a finitude da vida é o que nos leva a buscar explicações – e sentido, portanto – em estruturas filosóficas ou religiosas.
Sagitário é a fé, que nos impele a ir adiante, apesar de um céu escuro. Antes, Escorpião é o mirar realista e sem disfarces do que precisamos transformar. E nos cabe encontrar a dosagem exata de atenção a cada etapa dessas. Certas catarses são longas e não podem ser abreviadas por ingênuas visões de salvações mágicas. Por outro lado, deter-se demais na face escura da travessia é cegar-se para a luz da redenção.
É sobre essa atitude de equilíbrio entre a crise e sua possível solução que ando a refletir. Antes de Escorpião, Libra já oferece a razão e a ponderação como critérios importantes nos desafios seguintes. Sem um mínimo de razão, na etapa fusional de Escorpião, podemos nos contaminar com venenos e sombras alheios. Reagir a um confronto na mesma frequência emocional do opositor é sempre perigoso.
Libriano com ascendente em Escorpião e Lua em Sagitário, o filósofo Nietzsche foi preciso na percepção dessa conexão entre os temas citados. Ele escreveu: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você”. Eis o alerta para o tom vigilante que devemos adotar.
No estágio em que nos encontramos, ainda sob o efeito de forças instintivas e irracionais, convém estarmos alertas às nossas reações. Polarizar é o mesmo que tornar-se o oponente em sinal contrário. Isto é, tornar-se também um “monstro” apesar da armadura reluzente. Muito cuidado aí: quanta treva pode embasar crenças supostamente luminosas! A história está cheia de exemplos disso, vide a Santa Inquisição.
Falando em monstros e em um modo diferente de enfrentá-los que não seja o confronto direto, lembro a luta de Hércules contra a Hidra de Lerna, mito associado a Escorpião. O herói tentou destruir a Hidra cortando-lhe com a espada as muitas cabeças de serpente, mas estas se regeneravam e se multiplicavam. Somente quando Hércules, num rasgo de razão, levantou a Hidra do pântano e a expôs à luz solar é que o monstro foi enfim derrotado.
Como não se vence a irracionalidade com simples argumentos, ando tentando me proteger de situações que me façam “virar bicho”. Evito até ouvir a voz de figuras que já me deixam reativo. Não, não é alienação. É um filtro do que deve ou não ocupar o meu coração. Preciso de forças. Chega de encarar o abismo e nele afundar. E Sagitário está aí, apontando para cima.