Carente de poesia, começo com versos de Thiago de Mello, escritos em outros tempos escuros: “Fica decretado que os homens / estão livres do jugo da mentira. / Nunca mais será preciso usar / a couraça do silêncio / nem a armadura de palavras”. Ah, caro poeta, não imaginavas que décadas depois desses versos de esperança estaríamos outra vez mergulhados em sombrias fabulações! De novo vivemos sob o jugo oficial da mentira, entre couraças de omissões e armaduras retóricas. E quem haveria de dizer que isso ocorreria no período mais comunicativo da história? Ai, ai, Brasil, precisas atentar mais para essa mania regressiva de querer repetir o passado a cada quadra crítica do presente. Precisas também de vacinas racionais e morais contra as perigosas tentações dos pensamentos mágicos e dos interesses egoístas, sempre sustentados por deslavadas mentiras.
Ah, a mentira. Faz parte das nossas vidas desde que aprendemos a falar. Na velha mitologia, o deus da comunicação também era um notório mentiroso. O Hermes grego, depois sincretizado no Mercúrio romano, mal nasceu e já ousou roubar o gado do irmão Apolo, negando a acusação descaradamente quando interrogado. Por sua lábia fenomenal, virou o mensageiro oficial dos deuses, sinalizando que toda retórica visa a uma persuasão, esteja ou não pautada na verdade. Como planeta de linguagens e interpretações, o Mercúrio astrológico também pode ser dado a forjar versões vantajosas dos fatos. Assim pensa o manipulador do verbo: ora, que mal há em selecionar as informações e não contar tudo? Daí proliferam espertalhões e demagogos, hábeis na arte de enganar os outros em benefício próprio.
Mercúrio é um astro destacado no mapa astrológico do Brasil, por reger tanto o signo solar (Virgem) quanto o lunar (Gêmeos). Assim, o Brasil é um país mercuriano, bom de prosa, jovial, versátil e moleque. Tanto que, avesso a rituais e cobranças, desenvolveu um estilo próprio de se virar, um famoso jeitinho malandro. Com o brasileiro não há quem possa, diz certa parte da população. E com orgulho vai levando, na manha e na esperteza, compensando as injustiças da vida. Seria o charme de uma nação vira-latas, mas é sua danação, já que essa ética oportunista vaza do corriqueiro para as esferas mais amplas da vida pública. Aí o feitiço se volta contra o feiticeiro, e as mentirinhas resultam em compulsão, em mitomania. Estará esse Brasil doente de mitomania? Senão, o que leva tanta gente a negar o real e a preferir narrativas absurdas?
O céu explica. Atualmente, o Mercúrio do Brasil, em Virgem, recebe oposição do nebuloso Netuno, que embota o real e cria confusões. Fantasias e cortinas de fumaça netunianas, ao impedirem a clareza da mente mercuriana, deixa-a aberta a interpretações bizarras e a mentiras a rodo, é claro. O efeito desse trânsito se amplifica nestes dias, porque Mercúrio agora, em Gêmeos, também tensiona Netuno. E tem mais: a partir do dia 29, Mercúrio fica retrógrado (até 22/06), aumentando o risco de ambiguidades na comunicação. Isso tanto pode reforçar os enganos em voga como também fazê-los desmoronar. Com as tais pernas curtas
das mentiras, uma hora o real as derruba. Tomara! – assim torce um outro Brasil, cansado de estupidez e ansioso por verdade e ética.
E como a poesia é uma combinação feliz de Mercúrio com Netuno, volto ao sonho de esperança de Thiago de Mello: “O homem se sentará à mesa / com seu olhar limpo /porque a verdade passará a ser servida / antes da sobremesa”. Amém, poeta, amém.