Um dos aspectos negativos advindos da modernidade é a constante sensação de nos encontrarmos exauridos o tempo todo. Desconhecemos a saciedade, somente breves intervalos antes de iniciar novos projetos. Não se pretende negar aqui o valor das bem-vindas descobertas em diversos campos e tampouco o que esse impulso renovado de autossuperação trouxe para o desenvolvimento da nossa espécie. O fato incômodo é o de termos entronizado essa certeza: deve-se caminhar constantemente em busca de algo, ultrapassando o que ontem vislumbrávamos como novidade. O cômputo disso é a tensão patológica envolvendo propósitos e resultados. Em outras palavras: abolimos o sentido de bem-estar, fomentando dia após dia a convicção de devermos ir ao encontro da excelência – admirável, mas tantas vezes inatingível. No universo virtual, somos seduzidos por essa ideia: nunca há suficiência, só renovados impulsos, alavancando números e cifras. Tenho saudade da época em que existir podia significar acomodar-se docemente, sem se entregar a todas as ofertas postas diante de nós. Se, por um lado, estamos dando saltos exponenciais em relação à informação e ao conhecimento, desaprendemos a capacidade de relaxar. Poucos sabem se entregar aos acontecimentos, sem a necessidade de mostrar uma força que está além de nós mesmos.
Tudo se dá em ciclos de nascimento e morte. Alguns professam a crença de uma invisível mão divina determinando e ordenando seres e coisas. Porém, o acaso parece desempenhar significativo papel. Entre uma concepção e outra, estendo meu desejo de permanecer aquietado. As estações se repetem em suas características elementares e ao humano cabe aceitar e aprender. Seguir a disposição de um mundo disposto a priori pode nos dar a confortável noção de não precisarmos interferir compulsivamente na face do planeta para transformá-lo numa casa habitável. Agir por impulso, seguindo o senso comum, gera desmedido cansaço. No trabalho, as exigências se multiplicam. Somos assombrados pela impressão de obsolescência ao menor descuido. Às vezes, sinto ímpetos de ignorar o que se passa ao redor. Deixo simplesmente as circunstâncias moldarem as horas. Passeio livremente e nada faço além de olhar. Sei que a vontade se multiplica ao espiarmos as milhares de opções de lojas e mercados, sobretudo ao comprarmos com um click. Anseio ter a coragem de reduzir ao estritamente essencial o amontoado de quinquilharias materiais e mentais.
Desembarace os fios que te mantém preso a uma realidade sufocante. Continue arando a terra e preparando o solo para plantios e colheitas. Mas lembre-se de delimitar a área cultivável. Vale a pena correr tanto? Ser apontado como arcaico pode ser uma benção, algo a ser desejado. Enquanto ao seu lado se digladiam, você simplesmente observa, com o corpo e a alma em repouso. Pode-se dar a isso o nome de serenidade.