Ao longo do tempo vamos tecendo, como artesãos pacienciosos, redes de afeto que desejamos sejam duradouras. Gestos avulsos de generosidade, a escuta atenta em situações de instabilidade emocional, perceber-se acolhido na alegria e na dor. Tal é a cartografia dos sentimentos. Ainda na infância, ao tatear em busca de admiração, acabamos nos deparando com seres que farão parte de nosso itinerário até o fim. Considero privilégio inequívoco ostentar essas relações longevas, construindo uma família espiritual estendida além da consanguinidade. Não se nega aqui o valor da teia amorosa parental - salvo-conduto permanente, privando-nos da solidão que estilhaça o gosto de viver. Filhos, netos, sobrinhos, primos... no imaginário coletivo, o modelo legado pelos italianos e suas imensas proles inspira ideal perseguido por tantos e vale de mote criativo a grande número de artistas. Entre os mais emblemáticos evidencia-se o nome do cineasta Federico Fellini. A mesa imensa na cozinha, quartos com largas camas, despensas repletas de comida, pátios abrindo-se em horizontes. É o desenho que carregamos dentro de nós ao traçar o retrato da existência desses antepassados. Hoje, premidos pela redução dos espaços físicos e a primazia do mundo profissional, tudo parece ter encolhido. Inclusive a capacidade de partilhar sonhos e esperanças.
Mas sempre será possível engendrar ao redor pequenos círculos compostos de homens e mulheres que simbolizam o passaporte rumo à felicidade doméstica. Atravessar os anos com a certeza de poder contar com eles em qualquer instância é decisivo, transformando a angústia inerente ao humano num processo de serenidade e aceitação das vicissitudes. São tão particulares as escolhas feitas na vida adulta ou mesmo longinquamente. As razões escapam se rememoradas na maturidade, e saber porque continuam ao nosso lado dispensa a lógica e mesmo a razão. Somos afortunados por criar estes laços, sustentáculo para os momentos mais dramáticos: a morte, as doenças, a fragilidade mental. Bons amigos equivalem a um tratado de filosofia, poema comovente ao qual recorremos constantemente. Lembro de, bem jovem, sonhar em ter por perto alguém para o qual eu pudesse confessar tudo, sem inibição alguma. Muitos buscam isso em seus amores e paixões, ignorando a escassa segurança quando o desejo de posse domina tudo. A liberdade é ingrediente essencial, pavimentando o que está destinado a perdurar. Ah, como é belo esse mapa estendido à frente, podendo ser percorrido até o término dos dias.
Sinto renovado entusiasmo ao recordar o nome desses bons e fiéis companheiros de caminhada. Eles me acodem docemente e, espero, me percebam assim: uma âncora para não soçobrar.