Gilmar Marcílio
Ao longo do tempo vamos tecendo, como artesãos pacienciosos, redes de afeto que desejamos sejam duradouras. Gestos avulsos de generosidade, a escuta atenta em situações de instabilidade emocional, perceber-se acolhido na alegria e na dor. Tal é a cartografia dos sentimentos. Ainda na infância, ao tatear em busca de admiração, acabamos nos deparando com seres que farão parte de nosso itinerário até o fim. Considero privilégio inequívoco ostentar essas relações longevas, construindo uma família espiritual estendida além da consanguinidade. Não se nega aqui o valor da teia amorosa parental - salvo-conduto permanente, privando-nos da solidão que estilhaça o gosto de viver. Filhos, netos, sobrinhos, primos... no imaginário coletivo, o modelo legado pelos italianos e suas imensas proles inspira ideal perseguido por tantos e vale de mote criativo a grande número de artistas. Entre os mais emblemáticos evidencia-se o nome do cineasta Federico Fellini. A mesa imensa na cozinha, quartos com largas camas, despensas repletas de comida, pátios abrindo-se em horizontes. É o desenho que carregamos dentro de nós ao traçar o retrato da existência desses antepassados. Hoje, premidos pela redução dos espaços físicos e a primazia do mundo profissional, tudo parece ter encolhido. Inclusive a capacidade de partilhar sonhos e esperanças.
- Mais sobre:
- destaque colunistas