Somos criaturas adaptáveis e o que, num primeiro momento, nos parece insuportável, adquire aspecto de normalidade quando inserido repetidamente no cotidiano. Até a morte das pessoas amadas acaba por se acomodar dentro de nós. Chama-se a isso sobrevivência, uma variação emocional dos princípios darwinistas. Aqui e ali, a vida vai se moldando conforme as circunstâncias. O incontornável volta a ganhar sentido e a realidade colore com outras necessidades o que parecia ter se transmutado em algo doloroso demais. A capacidade de resiliência dos humanos é admirável. Fraturas do corpo e da alma são estados passageiros e na grande maioria das vezes reconfiguramos nossos propósitos para seguir em frente. Mas algumas coisas deixam um gosto amargo se findam ou são suspensas provisoriamente. Ao ser obrigado a buscar uma nova maneira de me relacionar com os outros em consequência da pandemia, o mais difícil para mim foi a ausência das conversas com meus bons amigos. A tecnologia supre parcialmente essa lacuna de forma impensável até recentemente. O que teria sido de nós sem uma videochamada para mitigar a saudade de pais, filhos e todos quantos se distanciaram por puro instinto de proteção e preservação?
Admiremos a possibilidade de manter esse fio de contato, suavizando afastamentos tão cruéis. Porém, é um simulacro. Jamais conseguiremos substituir a beleza dos encontros reais, antecedidos de um abraço, um olhar úmido de emoção. Faz uma falta brutal sentar num café ou visitar em suas casas os que são o pilar da minha tranquilidade existencial. Entregar-me sem tempo marcado a divagações destinadas àqueles em quem confiamos e nos acolhem. Diante de uma pequena tela é diferente, experiência empobrecida. A proximidade física traz embutida a beleza da atenção plena, da disponibilidade de um afago quando a dor ou a angústia devem ser divididas para se tornarem toleráveis. E também a alegria, atingindo patamares mais reais se partilhada. Somos pouco afeitos à solidão continuada ou mesmo intermitente. Ela nos parece desejável apenas em curtos intervalos, como uma bem-vinda pausa entre as ações e os sentimentos comungados. No mais, precisamos dessa certeza: na conflagração de nossas carências, podemos depositar em colo alheio o que nos debilita ou é digno de exultação.
Vontade de gritar bem alto: Meus queridos, venham me ver! Estender os braços por quilômetros até abrigar próximo do coração os que me são essenciais e ajudam a atravessar essa época imaginada por um roteirista ruim e tão forçosamente representada. Mal contenho a emoção ao pensar no dia em que, embebido pelo vento das manhãs, poderei sair novamente às ruas colhendo e distribuindo palavras e largos gestos com a intimidade agora roubada. Não mais o deserto do amor contido, mas o derramamento poético de todo bem-querer espalhado pelo mundo.