Chama-se norovírus o microrganismo que tem sido apontado como causador do surto de diarreia em Florianópolis, Santa Catarina, desde o início do ano. Mais de 3,2 mil casos de doenças diarreicas já foram registrados e, conforme resultados preliminares divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde na sexta-feira (20), o norovírus foi identificado em 63% das amostras de fezes coletadas no norte da capital catarinense, onde há a maior concentração do problema.
De acordo com o virologista e professor da Feevale Fernando Spilki, trata-se de um vírus muito pequeno, com genoma de RNA e não-envelopado, o que faz com que seja bastante resistente e consiga ficar presente no ambiente, sobre superfícies, na água e em alimentos contaminados por um bom tempo, diferentemente de outros vírus, como o da covid-10.
Quando infectados pelo norovírus, os indivíduos costumam apresentar quadros de vômito intenso, com duração média de três a quatro dias, e diarreia — de seis a oito evacuações diarreicas por dia. Também pode haver sintomas como febre, mal-estar e dor muscular.
Transmissão
Trata-se de um vírus transmitido principalmente pela água, quando uma pessoa consome alimentos ou água contaminados, mas também pelo contato com superfícies infectadas, pelo contato direto com uma pessoa doente e, em raras ocasiões, pelo ar. Segundo Spilki, o norovírus faz parte de um rol de vírus (como o rotavírus e o adenovírus) característicos de regiões com baixos índices de saneamento básico, onde o esgoto não tratado vai para o mar. Por isso, os banhos nas praias representam risco também:
— Surtos de vírus como esse são um reflexo da nossa falta de estrutura e se repetem ao longo dos anos. Como no Brasil temos muito tratamento inadequado de esgoto e também muito descarte ilegal dos dejetos das casas direto na rede fluvial, é preciso estar atento ao risco que isso pode representar.
O norovírus dificilmente é transmitido pelo ar. A exceção é o momento em que uma pessoa está vomitando a acaba espalhando partículas aerossóis com alta carga de vírus.
Prevenção
A prevenção não é fácil, alerta o virologista, mas no caso de Florianópolis, começa por evitar o banho de mar recreativo em áreas que estejam sinalizadas como impróprias e também em locais onde observa-se o despejo de esgoto, mesmo que seja esgoto fluvial.
— Evite o banho de mar em praias onde estão sendo notificados casos, com atenção especial em se tratando de crianças e idosos, quando a doença normalmente se manifesta com mais violência — aconselha Spilki.
De um modo geral, tomar cuidado com as fontes da água utilizada para as atividades diárias é uma forma de evitar o problema. Ao preparar comida em casa, a orientação é utilizar água de procedência conhecida ou fervida, mesmo água vinda de poço artesiano, pois há possibilidade de ter sido contaminada. Também é recomendado evitar o consumo de alimentos sem origem conhecida ou que não foram devidamente cozidos, inclusive vegetais, já que a água usada para higienizá-los poderia estar contaminada. Alimentos que vêm do mar também pedem atenção, especialmente mariscos, ostras e moluscos em geral, que filtram a água e podem acabar concentrando mais partículas do micro-organismo.
Cuidado ao auxiliar os outros
Ao conviver com uma pessoa que está manifestando sintomas, é importante higienizar muito bem o ambiente, as mãos e evitar compartilhar com ela talheres e objetos em geral. O banheiro onde o doente fez suas necessidades fica contaminado e precisa ser higienizado com frequência, já que o vírus fica presente sobre a louça, a pia e demais superfícies.
Como o norovírus também pode ser transmitido pelo ar durante o vômito, é importante evitar estar no mesmo ambiente que o doente neste momento. Mas se for inevitável - dado que muitas crianças e idosos precisam de auxílio quando passam mal -, abrir as janelas e utilizar máscara é uma boa medida para evitar contaminação.
Tratamento
Por conta dos vômitos e diarreias frequentes, os doentes perdem muito líquido e precisam prestar atenção para não ficarem desidratados, orienta o infectologista Eduardo Sprinz, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Para além disso, não há muito o que fazer além de repousar e aguardar a doença passar.
— Na maioria das pessoas, a doença se cura sozinha. Em indivíduos sem comorbidades, os sintomas passam depois de cerca de três dias. No caso de pessoas imunossuprimidas, há alguns relatos de diarreia crônica, que leva meses até passar, mas isso não é a regra. E eventualmente, por exemplo em casas geriátricas que abrigam pessoas que estão muito debilitadas, será necessário reposição de água utilizando soro. Se a pessoa não tiver acesso a isso, corre risco de vida por desidratação — observa Sprinz.
Quando ocorrerem casos de surto como este que tem sido observado em Santa Catarina, explica o infectologista, uma das primeiras hipóteses diagnósticas levantadas costuma ser o norovírus, pois ele é amplamente conhecido por infectar a água e ser altamente transmissível. O problema é frequente em navios, por exemplo, quando o vírus contamina a água disponível. A boa notícia é que os surtos costumam acabar rápido.
— Geralmente esses surtos são autolimitados, durando poucas semanas. Será normal se escutarmos, em breve, que os casos em Santa Catarina estão começando a diminuir, porque faz parte da característica desse vírus. Isso ocorre porque o norovírus é extremamente transmissível e a maior parte das pessoas suscetíveis vai ser exposta e se infectar. Mas o tempo incubação dele é muito curto, as pessoas se infectam e se recuperam rápido, e aí o número de pessoas com chances de virem a ficar doentes é menor. Soma-se a isso o fato de que a infecção acaba conferindo uma proteção de quatro a seis meses — explica o infectologista.