No correr do último ano fomos obrigados a rever a maioria dos nossos projetos, solidamente atrelados à realidade. Se antes se estendiam generosamente, acabaram encurtando seu prazo de validade. O hoje passou a ter primazia absoluta. Alguns ainda ousam fazer projeções, mas sabem da grande probabilidade de ver seus intentos naufragarem. Colados no momento, à espera da suspensão desse pesadelo que nos afastou do essencial por nós então ignorado, seguimos claudicantes, mirando quase unicamente o presente. Isso é bem triste, mas também é um convite filosófico para reavaliar o supostamente periférico. A vida é arranjada de forma a nos protege dos abismos. No fundo, sabemos situar-se isso longe da verdade, mas o autoengano é um poderoso aliado na manutenção do equilíbrio emocional. O terreno sobre o qual pisamos nunca se apresentou tão movediço. Estar bem nada garante, pois a alegria pode ser fraturada a qualquer instante. A morte de amigos e parentes até então saudáveis acabou por revelar o óbvio: há poucas garantias e menos ainda estabilidade. Tudo é cristal, vento, linha de seda se esgarçando. Permanecer atento a essa condição inerente ao humano nos devolve a consciência da preciosidade do ar respirado, da boa saúde, do conforto físico. Sempre se ganha e sempre se perde.
Na medida do possível, tenho me mantido sereno. Ocasionais sustos e tristezas domadas mesclam-se ao desejo de celebrar. Acordo cedo todas as manhãs e faço um rascunho mental de como pretendo gastar as demais horas à minha disposição. Caminhadas diárias, a leitura de um romance, sovar o pão, escrever um texto, contemplar. Este tem sido o meu projeto, e mesmo assim desenhado sobre a areia. Refreio eventuais resquícios de reclamação. Tudo está posto segundo uma ordem de escasso controle. Aceitar é o primeiro passo para não mergulhar nesse olhar de permanente lamento. É um exercício amparado na vigilância constante e o resultado pode distanciar-se do esperado. Forças internas me obrigam a revalidar os frágeis núcleos de felicidade. Troquei os agora impossíveis abraços pela amorosa expansão verbal. E jamais me cansarei de dizer: vocês são vitais, precisamos seguir próximos. Gosto de ver filmes sentado ao lado da Lili, a dócil cachorrinha que encontrei vagando, depois de ter sido acometida por um ataque de epilepsia. É um pequeno milagre, doce paisagem desenhada na alma, renovando o sentimento de gratidão largamente cultivado.
Se o horizonte parece ter desaparecido, aprenda a amar o que dá para tocar com a ponta dos dedos. A proximidade costuma mostrar defeitos, mas evidencia o assombro que é simplesmente ser. Evite a tentação de anunciar o fim de tantas coisas. Elas continuam aqui, disponíveis, só que transfiguradas. Afaste a pesada mão do desânimo. Resistir já não é mais opcional.