Fica bem mais fácil dividir a humanidade (em especial as pessoas com quem convivemos) somente em duas categorias: as boas, com as quais apreciamos estar, e as más, que são aquelas que adoramos condenar tudo o que fazem, pouco importando o que digam ou até pensem. Existe alguma coisa mais errada do que isso? Porque ninguém, absolutamente ninguém, é esse bloco maciço de virtudes ou de defeitos. Somos todos híbridos, pendemos ora para um lado, ora para outro, conforme as circunstâncias. Claro, existe o que chamamos de inclinações, e são elas que definem a maioria dos nossos comportamentos. Não estou me referindo aqui a exemplos limítrofes. Há, sim, espécies humanas que flertam com a santidade e outras com o demoníaco. No mais, o que vemos por aí são homens e mulheres que reagem emocionalmente conforme o que lhes é apresentado. Uma soma de tendências que oscila segundo o caráter e a capacidade de reagir diante de situações que testam a aptidão de manter a velha e boa neutralidade. Ao agir assim nos tornamos aptos a manter relacionamentos mais maduros, ancorados em uma visão realista.
Talvez a escolha de algumas profissões ou traumas que nos são impostos ao longo da existência acabem por definir com mais intensidade o que chamamos de personalidade. Quem não conhece alguém que, depois de uma grande tragédia, mudou radicalmente sua maneira de ver e agir? Para uns pode ter sido dada a benção da aceitação estoica. Para outros, no entanto, ter despertado instintos ruins que estavam adormecidos até então. Correndo o risco de fazer uma generalização, me pergunto: por que será que o mundo da política abriga tantos seres perversos? E nem tentem me convencer que o ambiente acaba por transformá-los. Apostaria sem medo de errar que ele só refina o que sempre esteve presente. É a tal história das oportunidades que acabam revelando o que realmente se esconde em nosso interior.
Longe desses extremos, o que encontramos no nosso dia a dia são criaturas que tentam dar o melhor de si; porém, acabam sendo engolidas por suas próprias emoções. Desde que adotei uma postura de mais tolerância (e espero que meus amigos façam isso em relação a mim também), diminuíram as tensões, os julgamentos, as classificações. Num universo patologicamente polarizado como tem se revelado o nosso, já está na hora de rever algumas atitudes que colocam em risco o que chamamos de respeito pelo diferente. No mais, é procurar entender esse caldeirão que mescla o horrível e o sublime. Fulano é um fofoqueiro – mas é capaz de atitudes de generosidade que não tenho. Sicrano é severo, crítico em demasia – mas adotou duas crianças órfãs. E por aí vai. De onde se conclui que raros escapam a um escrutínio mais minucioso. Melhor é agregar, olhando com benevolência o que pode ser um espelho de nós mesmos.