O que, afinal, está em discussão quando uma denúncia é submetida aos vereadores para fins de cassação ou arquivamento? No caso do vereador Sandro Fantinel (sem partido), que disse o que disse dos trabalhadores baianos na tribuna da Câmara em 28 de fevereiro, que teve cassação rejeitada em sessão extraordinária nesta terça-feira (16), o que estava em análise como fundamentação objetiva para a denúncia de quebra de decoro era a fala contra trabalhadores baianos, no âmbito da realização de uma operação de combate ao trabalho em condições análogas à escravidão, declaração que gerou repercussão nacional, situação que fazia parte do contexto. Essa é a questão material e objetiva.
No entanto, o vereador Fantinel voltou a repetir em suas entrevistas concedidas na quinta (17) que não é possível "condenar por um erro". O vereador, a defesa e os vereadores que salvaram Fantinel da cassação mencionaram na sessão de terça-feira (16) os argumentos da "fala infeliz", e que o erro foi reconhecido. Fantinel teve a cassação rejeitada.
Mesmo assim, mesmo a decisão já estando consumada, precisa ficar claro que bons antecedentes, uma "fala infeliz" e o reconhecimento do erro não são argumentos para derrubar o fato objetivo, que ainda por cima tem previsão legal e gera, para Fantinel, um processo em andamento no Judiciário. É essa motivação objetiva que precisa ser analisada à luz do decoro, à luz do Código de Ética Parlamentar, considerando a repercussão nacional, a exposição à cidade de Caxias do Sul e o desrespeito aos trabalhadores baianos.
O vereador Fantinel disse que a Câmara de Vereadores "deu o recado para o país: que Caxias do Sul não é racista, mas não tolera a injustiça". O reconhecimento do erro, de que houve uma "fala infeliz", não repara a injustiça com os trabalhadores baianos, que foi perpetrada. Mesmo com esses reconhecimentos, o caso segue sendo grave, o decoro foi atropelado e os trabalhadores e a população baiana continuam à espera de uma reparação, que não veio no âmbito político. Afinal, como disse Fantinel, "Caxias não tolera injustiça".
Condenar "por um erro"
— A gente não condena por um erro — chegou a dizer Fantinel em uma de suas entrevistas, nesta quarta-feira.
Na Câmara, a decisão dos vereadores foi política. Em um julgamento político, com frequência o aspecto político se sobrepõe à formalidade jurídica. Mas, se há previsão legal que enquadra o erro, é suficiente para condenar, sim. Esse ponto precisa ficar claro. Do contrário, a previsão legal começa a ficar supérflua. Bastaria alegar que houve um erro isolado, uma "fala infeliz" e o reconhecimento do erro para sobrepor-se à previsão legal. Não pode ser assim.
Havia motivos
A coluna tem recebido manifestações de leitores, que ponderam se, no caso de Fantinel, a fundamentação para a quebra de decoro justificaria uma cassação. A fundamentação foram as declarações preconceituosas contra trabalhadores baianos, e preconceito não pode ser tolerado para um representante político em qualquer tribuna. Há ainda o contexto da exposição correspondente ao fato a que foi submetida a cidade.
Impeachment e cassação são processos políticos. Nesse caso, houve motivação consistente para abertura de processo. Os vereadores, politicamente, decidiram que não caberia a punição política. A decisão é legítima, mas motivos havia.