Um dia após a sessão que rejeitou o parecer favorável a sua cassação, o vereador Sandro Fantinel (sem partido) concedeu entrevista à Rádio Gaúcha. Durante a conversa, nesta quarta-feira (17), no Gaúcha Hoje, disse que a Justiça venceu. Deu a entender que merecia um "gancho" pelas falas preconceituosas contra os baianos, feitas em plenário no dia 28 de fevereiro, porém, não a perda de mandato. A Câmara de Vereadores rejeitou a cassação do mandato por 9 votos a 13. Eram necessários dois terços favoráveis — 16 dos 23 parlamentares — para aprovar a perda do mandato. No entendimento de nove dos parlamentares, ele não feriu o decoro parlamentar.
— A Câmara de Vereadores queria me dar uma punição. O problema é que se tivessem entrado com um processo na (Comissão de) Ética, eles poderiam ter me dado 30, 60, 90, 120 dias de gancho como punição por aquilo que eu falei. O problema é que os processos entraram no regime 201, que é o regime de impeachment. Ou cassa ou não cassa. É a mesma coisa que a gente partir para o lado, por exemplo, da jurisprudência. Um juiz pega um caso que o cara foi uma pessoa nota mil a vida inteira, aí aconteceu uma briga num bar, ele deu uma paulada e matou. Você acha que o juiz vai condenar o cara à cadeira elétrica, à pena de morte? — comparou.
Fantinel também reforçou que irá mudar a postura como vereador, sendo mais cuidadoso em suas manifestações. Na sessão de julgamento, nesta terça-feira (16), ele falou no tempo destinado a sua defesa que "a ideologia radical não faz mais parte da sua vida na Câmara".
Confira a entrevista:
Qual é, na sua opinião, a imagem que fica do senhor e de Caxias do Sul?
A imagem que fica de Caxias do Sul é que a nossa cidade é uma cidade que é contrária à intolerância, é contrária à discriminação, ao racismo, mas é também contrária à injustiça. Essa é a imagem que a gente deixa. A gente deixa claro que Caxias do Sul não se submete às vontades de uma parte. A nossa Câmara de Vereadores está aí para representar o todo e representar o todo significa representar aqueles que acreditam numa coisa e aqueles que acreditam numa outra coisa. E não só numa coisa única. A Câmara de Vereadores queria me dar uma punição. O problema é que se tivessem entrado com um processo contra mim na (Comissão de) Ética, eles poderiam ter me dado 30, 60, 90, 120 dias de gancho como punição por aquilo que eu falei, para mostrar para sociedade que a Câmara me puniu por aquilo que eu falei porque ela não concorda com o que eu disse. O problema é que os processos que entraram, entraram no regime 201, que é o regime de impeachment. Ou cassa ou não cassa. É a mesma coisa que a gente partir para o lado, por exemplo, da jurisprudência. Um juiz pega um caso que o cara foi uma pessoa nota mil a vida inteira, aí aconteceu uma briga num bar, ele deu uma paulada e matou. Você acha que o juiz vai condenar o cara à cadeira elétrica, à pena de morte?
Mas não existem essas penas no Brasil.
É um exemplo que estou dando para entender que a cassação para um parlamentar é a mesma coisa que a pena de morte. Eu tenho 52 anos. Se tivessem cassado o meu mandato, eu teria que ficar oito inelegível. O que que significa isso? A morte política, porque eu não iria mais participar da política. Uma pessoa ativa, que trabalha que nem eu trabalho para a nossa cidade, estaria fora de questão. Esse é o ponto. Esses processos no regime 201 engessam a Câmara de Vereadores porque ela tem que decidir: ou nós cassamos o cara ou perdoamos. Se tivessem vindo processos pela Comissão de Ética, por exemplo, eles poderiam ter me dado um gancho.
Ouça a entrevista no Gaúcha Hoje da Gaúcha Serra:
Isso o senhor acha que merecia isso (um gancho)?
Eu não vou dizer o que eu acho ou não acho, porque quem tem que achar são os meus colegas. Eu já disse, eu cometi um erro, assumi que eu não fui covarde. Eu assumi, eu errei, eu cometi um erro. Me arrependi porque não é aquilo que eu penso, não é aquilo que eu acredito e não é aquilo que eu sou. É por esse motivo que eu fui absolvido.
O senhor se refere que reconheceu o erro e também menciona que o recado que fica aqui em Caxias é que também não se pratica a injustiça. O senhor não considera que ficou havendo a necessidade de uma reparação para os trabalhadores baianos diante da sua declaração e que essa situação não produziu a eles uma situação de injustiça?
Então, você acha é Justiça eles me pedirem R$ 3 milhões de indenização que nem se eu vender cinco vezes o que eu tenho eu não pago? Eu acho que já pediram o suficiente, tu não acha?
O senhor foi absolvido pela Câmara, mas é réu na Justiça. Qual é o seu nível de confiança nesse processo?
Eu vou continuar fazendo a minha defesa, meus advogados vão continuar fazendo a minha defesa da mesma forma que a gente fez na Câmara de Vereadores, dando a entender que, sim, que eu reconheço que cometi esse erro, mas não é da minha índole. Alguns vereadores que falaram na sessão, falaram que estavam votando não pela pessoa, mas pelo mérito do crime cometido. Só que na jurisprudência é bem diferente. Na jurisprudência, o juiz analisa a vida toda do cara e não o que ele cometeu, e só depois ele toma a decisão baseado no que estudou, no que analisou sobre toda a vida da pessoa. Quem foi essa pessoa? Quantos crimes essa pessoa cometeu durante a sua vida? O que ela fez de certo e o que ela fez de errado? Tudo isso na jurisprudência tem um peso. Na Câmara, ontem (terça), aqueles 13 que votaram contra mim não levaram por esse lado. Eles julgaram pela minha fala e acho que não é só assim que a gente julga uma pessoa, a gente não condena por um erro. É a mesma coisa que um dos advogados disse: um médico que fez cem cirurgias e salvou todos os cem, aí ele faz uma e dá uma desgraça que ele comete um erro, o cara morre e o médico não presta? O médico não serve mais para ser médico?
O que pesou para o senhor não ser cassado?
Eu vou ser bem sincero, sou uma pessoa que acho que todo mundo me conhece bastante, que eu sou branco e franco. Ali tem jogo político, ali tem interesse, ali tem comando de partidos. A gente não vive num parlamentarismo, a gente vive no presidencialismo: no parlamentarismo os cidadãos votam no partido e não no candidato. No Brasil, a gente vota no candidato. Essa história que alguns vereadores dizem que votaram contra mim porque o partido pressionou, isso não existe. O voto foi deles, não foi do partido. Eu acredito que cada um pensou da sua forma, cada um foi lá e fez o seu discurso pra ter o seu momento e votou do jeito que achou que ia atender melhor ao seu público. Assim que eu teria votado também.
As suas declarações surgiram a partir do resgate de trabalhadores em condições análogas à escravidão em Bento Gonçalves. Uma das suas manifestações foi que seria necessário dar o "hotel cinco estrelas para os bonitos". O senhor revê essa sua maneira de entender essa questão do trabalho em condição análoga a escravidão e da condição que deve ser oferecida aos trabalhadores?
Eu disse isso lá atrás, mas antes ainda de acontecer todo esse fato, disse que sou contrário a qualquer tipo de tratamento não correto com quem trabalha, contra funcionários, sou contra a discriminação, sou contra as pessoas explorarem os trabalhadores, mas eu também sou contra que pessoas que nunca trabalharam cinco minuto na lavoura façam julgamentos. O trabalhador que trabalha numa metalúrgica sabe que vai começar a hora tal, vai parar para o almoço a hora tal, vai terminar a hora tal, vai bater o ponto, vai pegar o ônibus, vai para casa. No interior existe aquele período da safra. A planta não espera a hora, ela não quer saber se tu tem que trabalhar só oito horas e depois tu pode ir para casa. No outro dia, a fruta estragou, a planta estragou. Os agricultores não têm problema de pagar um pouco mais, de pagar hora-extra, de pagar aquilo que precisa. Só que eles não têm também condições de pagar, digamos assim, um alojamento como se fosse uma residência, assim, normal que a gente vive. Eles constroem aquelas casinhas porque dura 60, 30 dias a safra, no máximo. Depois termina. Tudo o que um agricultor gasta, paga de imposto, o que custa, se dá uma chuva de pedra, perde tudo. Ele não tem condições de dar, assim, um um tratamento como que talvez a lei gostaria que fosse dado. Mas isso não significa que o agricultor quer tratar trabalhador como escravo.
Mas não eram condições dignas de moradia.
Sabe por que fui infeliz? Sabe por que que aconteceu tudo que aconteceu comigo? Porque, infelizmente, foi conectada a minha fala a uma situação que realmente era análoga a escravidão, que realmente foi, porque eu fui lá ver, realmente é verdade, não é mentira.
O senhor não falou necessariamente das condições (na tribuna), falou dos estrangeiros.
Aí foi o meu erro. Foi esse e mais aquele outro, aquele outro falar que eu falei do que eles gostavam de fazer e tal. Foi ali a minha fala infeliz. Esse foi o meu erro.
O senhor disse que depois do baque, a ideologia radical não faz mais parte da sua vida na Câmara. O que o senhor quer dizer com isso? O senhor mudou a forma de pensar ou só vai mudar a sua forma de se manifestar?
Vivemos em tempos difíceis. Vivemos em tempos onde a gente ser compreendido do jeito que a gente é, é complicado. Quando a gente se muda para um lugar que não é o nosso, que não tem os costumes que a gente tem, a gente tem que se adaptar. Queira ou não queira, tá? Eu vou me adaptar àquilo que nós temos hoje. A sociedade é essa, a realidade é essa, a situação é desse jeito? A lei obriga que seja dessa forma? Eu vou respeitar, eu vou me adaptar a essa nova realidade.
O que esperar da sua atuação legislativa e política a partir de agora? O senhor vai ser mais cuidadoso nas suas manifestações?
Eu vou ser mais cuidadoso. Vou continuar o meu trabalho. Tenho mais dois projetos enormes para nossa cidade, como foi o da Reurb, que fui eu quem trouxe, por mais que todo mundo diga que é da prefeitura. Tenho mais dois projetos grandiosos para apresentar até o final do mandato, projetos que mudam a vida do cidadão caxiense. Eu quero bem (meus colegas), como eles mesmo disseram. Todos eles me querem bem e eu quero o bem para todos porque a gente nunca teve uma intriga. Eu nunca ofendi um colega, eu nunca discuti com um colega, tenho o maior respeito. Só que assim: tem aquele vereador que se preocupa com o bueiro entupido, tem aquele vereador que se preocupa com a lâmpada que está queimada, que é válido, que é necessário e que precisa. Eu tenho uma posição diferenciada. Eu me preocupo com o todo. Eu quero que a cidade mude, eu quero que a cidade seja melhor para todos. A gente tem que correr atrás, a gente tem que gastar, tem que estudar, tem que se empenhar, a gente tem que visitar locais que tenham coisas novas para cidade, mas que venham ajudar a comunidade no seu todo e não só no teu bairro, na rua onde tu vive. É isso que eu pretendo continuar fazendo por Caxias do Sul daqui para frente, como eu fiz até agora.
A gente tem mais um processo de cassação na Câmara de Vereadores que é a do vereador Lucas Caregnato, do PT. Como fica a sua postura em relação a esse caso?
Qual é a parte ofendida? A parte ofendida é a secretária Grégora (Fortuna dos Passos). Foi com ela que deu todo aquele embate do vereador Lucas, que também foi uma discussão acalorada e que eu conhecendo ele, independente de sermos partidos totalmente contrários, ele não é assim. Eu vou conversar com a secretária Grégora, porque no caso dele tem só uma pessoa envolvida. Ele atacou uma pessoa e eu vou conversar com a secretária Grégora. Essa vai ser a minha função como relator. Se ela me disser: "Sandro, ele me pediu perdão, ele me pediu desculpa, eu vejo que ele não merece ser cassado", ele não será cassado se depender de mim e dela. Se ela me disser que perdoa, quem sou eu para julgar? Quem sou eu para condenar?
Ouça a entrevista no Timeline:
Fantinel também concedeu entrevista ao Timeline nesta quarta-feira. Na conversa, destacou que, do dia 28 de fevereiro até o dia da sessão que o julgou, nesta terça, foram quase 80 dias de terror em que a família e ele sofreram perseguições:
— Vi meus pais chorando desesperados. Foram meses que quero apagar da minha vida. Não desejo nem para assassino de crianças o que eu passei.
Sobre as declarações feitas a partir da notícia do resgate dos trabalhadores baianos em trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, disse que foi na "pilha das vinícolas".
— Entendi que as vinícolas não tinham culpa. Depois entendi que elas também tinham obrigação de dar uma controlada — acrescentou.
O vereador, que morou na Itália durante 14 anos, disse também que sofreu preconceito quando era imigrante e que não aceita ser chamado de xenófobico. Mais uma vez reforçou que será cuidadoso em suas manifestações no plenário e que deixará o radicalismo de lado:
— Me perdoem, não tive a intenção de ofender ninguém — finalizou, desculpando-se com os baianos.