Na sessão extraordinária desta terça-feira (16), a votação no plenário garantiu a sequência do mandato do vereador Sandro Fantinel (sem partido). Foram nove votos contrários à cassação do parlamentar, contra 13 favoráveis à perda do mandato. Eram necessários 16 votos "sim" ao relatório da Comissão Processante para que Fantinel fosse cassado. Ele era acusado de quebra de decoro parlamentar após falas preconceituosas contra os baianos no plenário da Câmara de Caxias do Sul em 28 de fevereiro.
Na ocasião, Fantinel se referia aos trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves em situação análoga à escravidão, quando sugeriu aos produtores da Serra que "não contratem mais aquela gente lá de cima" e disse dos baianos que "a única cultura que têm é viver na praia tocando tambor".
Das quatro denúncias votadas nesta terça, duas pediam a cassação de Fantinel pelas declarações contra baianos — uma de autoria do ex-vice-prefeito de Caxias, Ricardo Fabris, e outra das Defensorias Públicas do Rio Grande do Sul e da Bahia. Para as duas, a Comissão Processante emitiu parecer favorável à cassação, que foi rejeitado pelo plenário da Câmara na sessão desta terça por 9 votos contrários a 13 a favor (Fantinel se absteve).
A reportagem conversou com diversas lideranças políticas de Caxias do Sul, entre eles o ex-vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu — que protocolou um dos pedidos de cassação contra Fantinel, assim como as Defensorias Públicas dos Estados do RS e da Bahia, que enviaram nota sobre a decisão da Câmara.
Confira como figuras políticas avaliam o resultado:
Adiló Didomenico, prefeito de Caxias do Sul:
"A decisão do poder Legislativo a gente respeita. É um assunto que a gente sempre defendeu, e vai continuar defendendo, de não se envolver em questões do Legislativo. A gente respeita a decisão dos vereadores, e vamos manter essa postura em outros episódios, de cuidar dos assuntos do Executivo e não interferir em assuntos do Legislativo.
O povo de Caxias tem no seu DNA o acolhimento, tanto que recebemos (pessoas de) 32 nacionalidades diferentes no ano passado. Nós temos hoje 930 crianças estrangeiras acolhidas na nossa rede municipal de ensino. Tenho certeza de que a nossa região vai continuar sendo uma região acolhedora, porque ela se formou através de migrantes e imigrantes. Eu sou um caso, fui acolhido aqui em 1970. Nossa postura com senegaleses, haitianos, os ambulantes de rua, sempre na base do diálogo, da confiança mútua, e é isso que vai continuar sendo Caxias. Não vejo que um episódio isolado possa abalar uma população que tem no seu DNA o carinho com as pessoas, o acolhimento, o respeito, esse espírito ninguém vai tirar do caxiense."
Cecília Pozza, presidente do PDT caxiense:
"Nosso partido, desde o início desse processo, posicionou-se claramente sobre a matéria. Avalio que não foi uma fala infeliz. O vereador, ao longo do mandato, fez várias falas de natureza discriminatória, inclusive contra os indígenas, é só buscar nos anais da Câmara.
O resultado deixa explícito o pensamento do Legislativo, deixa o recado de que a discriminação é normalizada no município. Passaram pano, o que ficou claro com o retorno do vereador Ricardo Daneluz à Câmara. Nos permite pensar que há anuência do Executivo. Aliás, o vereador Fantinel já falava isso, em áudio vazado nas redes sociais."
Elói Frizzo, ex-vereador e ex-vice-prefeito:
"Com muito orgulho, durante seis mandatos, tive a honrosa tarefa de representar parcela de eleitores de nossa cidade na Câmara Municipal. Sei que tive falhas, exageros em algumas manifestações na Tribuna, mas nunca minhas falas buscaram humilhar os mais desamparados, os mais pobres, os necessitados, os desprotegidos por conta de um sistema opressor que valoriza e protege, única e exclusivamente, os ricos, os donos do poder e do capital. Me acostumei na Câmara a diferenciar pessoas íntegras e honestas de pessoas venais, lambe-botas de poderosos, serviçais sem honra.
Nesse dia de hoje (terça-feira, 16), em nome da grande maioria de parlamentares que exerceram com dignidade e honestidade seus mandatos no Parlamento caxiense, me envergonho de ter ocupado e representado nossa cidade e seus habitantes na Câmara Municipal, por conta dos votos de nove vereadores indignos de nossa história e de nossas conquistas. Somos um povo fruto da miscigenação de raças, de lutas, de sacrifícios. A bela e querida Caxias, a terra dos bugres, dos italianos deserdados, dos povos de Cima da Serra que aqui construíram uma civilização, não merecem tamanha desonra. Vergonha é o que sentimos."
Ricardo Fabris, ex-vice-prefeito e autor de um dos pedidos de cassação:
"É uma vergonha para Caxias do Sul. A Câmara Municipal faz isso para proteger seus interesses corporativos e esquece que ela representa Caxias do Sul, como bem falou a vereadora Marisol(Santos). Fantinel é um vereador que faz e fez comentários dessa natureza, preconceituosos de todo tipo, inúmeras vezes. Sofreu denúncias, inclusive, na Comissão de Ética.
As desculpas que ele dá, que é a mesma justificativa que os nove vereadores que votaram a favor dele utilizaram, são sempre as mesmas. 'A fala foi tirada de contexto', 'fiz uma declaração infeliz', 'não quis ofender'. O Judiciário, que ultimamente parece ser o único poder que funciona nesse país, vai cassar e mostrar que a Câmara de Caxias do Sul estava errada."
Alceu Barbosa Velho, ex-prefeito de Caxias do Sul:
"Democraticamente, tudo foi feito correto. A Câmara decidiu, está decidido. Eu, particularmente, não concordo. Acho que fica arranhada a imagem de Caxias do Sul, esta é a questão mais sensível."
À coluna Mirante, do Jornal Pioneiro, Alceu também comentou sobre o retorno do vereador licenciado Ricardo Daneluz (sem partido) à Câmara para votar em favor do vereador Fantinel. Ele entendeu o ato como uma "manobra" do prefeito Adiló.
— O vereador Daneluz é um secretário do primeiro escalão do prefeito Adiló. Quem fez essa manobra de devolver o Daneluz à Câmara foi o prefeito, ele que manda. Com isso, o prefeito Adiló, como disse outrora o vereador Fantinel, está comprometido com a defesa do Fantinel. Não há nenhuma dúvida. O prefeito Adiló, com esse gesto, puxou para si a defesa do vereador Fantinel. Tem suas razões para isso. O Fantinel pediu ajuda para o prefeito e o prefeito agora o está ajudando. Ele que beije nos pés do prefeito Adiló — declarou.
A reportagem não conseguiu contato com o ex-vereador Edson Néspolo, que foi uma das testemunhas de defesa durante o processo que investigou Sandro Fantinel na Câmara.
Defensorias Públicas do Rio Grande do Sul e da Bahia, que protocolaram um dos pedidos de cassação, em nota
"Se, por um lado, conforta-nos saber que a maioria daquela Casa ainda preza pelos princípios republicanos que fundam a democracia brasileira, dentre eles, os da pluralidade e da justiça social, razão de ser da própria Defensoria Pública, por outro lado, surpreende-nos que a falta de decoro do vereador Sandro Fantinel ainda encontre acolhida por parte significativa daquele parlamento municipal. Essa votação só deixa claro que ainda há muito o que ser feito para alcançarmos um Brasil de todos, independente de credo, cor, orientação de gênero e origem.
Nesse sentido, trabalham as Defensorias Públicas a questão em debate, ainda sendo objeto de análise para futuro julgamento pelo Judiciário em diversos âmbitos. Em todo caso, a semente está plantada: abusos já não pertencem à ordem do normal e serão combatidos pelas Defensorias, sempre em nome dos princípios regentes do nosso Estado Democrático de Direito."