Arrisco a dizer que 70% da população mundial odeia confusão, transtornos, bloqueios de vias, depredações, quebra-quebra, irracionalidade e a sujeira e o caos que resultam de tudo isso. O que assistimos incrédulos pela televisão ao vivo em Brasília no último domingo não era protesto, não era luta, não era manifestação: era uma baderna absoluta.
Fiquei curiosa sobre a origem da palavra “baderna”, cuja sonoridade expressa tão perfeitamente seu significado. Me deparei com uma história incrível: na metade do século 19, uma companhia de dança italiana buscou refúgio aqui no Brasil durante a época em que a Itália vivia sob ocupação da Áustria. Vários artistas italianos decidiram fazer um tipo de greve geral para em seguida exilar-se no exterior como forma de se manifestar politicamente contra os austríacos. Uma das bailarinas mais talentosas era a senhorita Marietta Baderna, que causava furor ao incorporar elementos das danças de matriz africana às suas coreografias.
Segundo o dicionário Houaiss, Marietta esteve no Rio de Janeiro “em 1851, provocando certo frisson” e seus admiradores “eram chamados de badernas”. Fico imaginando como era a reação do público diante da italiana a ponto de o sobrenome da bailarina ter se tornado sinônimo de uma situação em que, ainda segundo o verbete, “reina a desordem, a confusão, a bagunça”. Na verdade, o comportamento de seu público revela, sem dúvida, traços de fanatismo, idolatria, de histeria coletiva, com a performance da bailarina atuando como força catalizadora de instintos primitivos e animalescos nos fãs.
Corta para 2023 e para a turba de fanáticos que saiu dos grupos de WhatsApp e rumou para Brasília alimentada por teorias completamente descoladas da realidade. Enquanto na imprensa alguns chamam de terrorismo, outros amenizam chamando de vandalismo. Poucos ainda insistem em chamar de “legítima manifestação de patriotas” ou alegam que a destruição do patrimônio público e das obras de arte e objetos de incalculável valor histórico foi perpetrada por “gente infiltrada” (o que tem sido desmascarado diuturnamente com breves consultas às redes sociais dos baderneiros, comprovadamente bolsonaristas de longa data).
Desde que aparentemente se tornou aceitável ser fã de político, não só apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas outros grupos identificados com determinadas correntes ideológicas e partidos passaram a agir de forma completamente irracional. Radicalizados dentro de uma bolha de fake news e teorias conspiratórias, das mensagens inflamadas no “Zap” à poltrona de um ônibus rumo a Brasília “para defender a Pátria” foi um pulo.
Já que se fala tanto em defesa da democracia, nada é mais democrático do que respeitar o desejo da maioria, ou seja, a manutenção da ordem, da paz, o cumprimento das leis e o respeito à Constituição, ao livre direito de ir e vir. Está lá na nossa bandeira:“Ordem e Progresso”.