Existem muitas maneiras de se avaliar a qualidade de vida de determinado lugar além daqueles índices já conhecidos e mensuráveis, como saneamento básico, limpeza das ruas, boas escolas, bom atendimento à saúde, baixa criminalidade, etc. Há casos em que uma cidade tem tudo isso e, mesmo assim, as pessoas parecem infelizes, azedas, de mal com a vida. Isso ocorre porque há componentes que números e planilhas são incapazes de medir, mas que são fundamentais para as pessoas se sentirem bem. Um deles, sem dúvida, é o espírito comunitário.
É fácil identificar se há ou não real senso de comunidade em determinado local quando vizinhos, amigos, colegas se mobilizam para ajudar uns aos outros em momentos difíceis. Fico comovida sempre que leio sobre bairros ou cidades inteiras que se mobilizam para arrecadar fundos e ajudar uma família que teve a casa incendiada ou que perdeu tudo numa enchente, ou quando organizam uma van para doar sangue a algum conhecido que enfrenta uma batalha cruel pela vida.
Nas horas ruins, percebemos quem se importa. Mas digo mais: nas horas boas, também é possível ver quem realmente gosta da gente e se ilumina com a felicidade alheia. Um exemplo disso é o que está acontecendo aqui em Arroio do Sal, litoral norte do Rio Grande do Sul, para onde transfiro parcialmente meu home-office durante o verão. Como todo mundo já sabe, 45 felizardos apostaram num bolão na única lotérica da cidade e compartilharam o prêmio de mais de 100 milhões de reais da Mega-Sena da Virada.
Na segunda-feira passada, com a cidade já mais vazia depois que os turistas da virada do ano já tinham ido embora, o alto astral dominava as ruas. Na padaria, na fruteira, no mercado, no balcão da farmácia, todo mundo comentava sobre o prêmio com um sorriso largo no rosto. Mencionavam com genuíno contentamento que os ganhadores, moradores do município, conhecidos seus – clientes assíduos, vizinhos, amigos – mereciam o prêmio. O que mais se ouvia era “Fiquei tão feliz por eles”, “Que bom para a cidade”, “Que bom para a lotérica aqui de Arroio do Sal”, “Mais gente vai aproveitar esse prêmio em vez de uma só pessoa”. Não vi inveja, ranço, amargor, despeito. Só vi uma comunidade inteira feliz pelos outros.
É inegável que um indivíduo capaz de se alegrar com o sucesso alheio é uma pessoa de bem com a vida. Só gente infeliz consigo mesma se sente ferida, injustiçada ou prejudicada pelo sucesso de outra pessoa, como se o mundo lhe devesse alguma coisa na mesma medida. O mundo não deve nada a ninguém, cada um precisa lidar com a realidade que lhe é apresentada. Agora, quando a sorte sorri para um conhecido e você é uma pessoa que se alegra por ele, em tempos de gente tão mesquinha, considere-se um vencedor da Mega-Sena existencial: a capacidade de ficar feliz pelos outros é uma dádiva, fomenta o espírito comunitário e, consequentemente, a qualidade de vida.