Todo mundo que estava assistindo à emocionante comemoração dos argentinos na final da Copa do Mundo ficou no mínimo intrigado quando o próprio Emir do Qatar, Tamin bin Hamad Al Thani, vestiu Messi com um manto preto cheio de ornamentos dourados.
Esse manto, chamado de bisht ou mishlaḥ, é uma das mais altas honrarias que se pode receber entre os povos árabes. Simboliza prestígio e um alto grau de importância na sociedade. Não é à toa que foi oferecida a Lionel Messi, um dos maiores atletas do nosso tempo, cujo talento ultrapassa todas as fronteiras graças a esse esporte muito amado chamado futebol.
Contudo, fiquei pasma com o preconceito e a completa ignorância por parte de formadores de opinião, jornalistas e da população brasileira em comentários deprimentes nas redes sociais diante do gesto do Emir. Foi um festival de piadinhas, de desrespeito e de “indignação”, como se o manto presenteado pelo Emir fosse uma espécie de afronta. Será que alguém se sentiria ofendido se um presidente europeu entregasse algum tipo de coroa ou estandarte a Messi? Duvido.
Obviamente, quando a FIFA decidiu levar a Copa do Mundo para um universo tão diferente e desconhecido até, era previsto que surgiriam choques culturais e sociais, além de questionamentos válidos sobre certas políticas controversas por parte do governo do Qatar. Infelizmente, esqueceu-se de que esta era uma ótima oportunidade para que aprendêssemos um pouco mais sobre o mundo árabe e tentássemos encontrar pontos em comum, e a partir disso iniciar um diálogo para negociar diferanças e promover o entendimento.
Não tem mais como ignorar que a divisão dicotômica entre Ocidente e Oriente é muito mais complexa e plural do que se tenta impor. Os costumes e as histórias dos povos árabes hoje se estendem não só no Oriente Médio, mas dominam o norte da África e parte da Europa. O mais importante hoje, portanto, é conhecer, compreender e respeitar em vez de se deixar levar pelos estragos que os radicais islâmicos causaram nos últimos anos. Por exemplo, seria injusto que eu, como católica, tivesse minha fé vilipendiada e marginalizada por causa da Inquisição de séculos atrás.
Apesar dos inquisidores do passado, o Cristianismo é respeitado, tanto que ninguém acha estranho quando um jogador brasileiro faz o Sinal da Cruz ao entrar em campo ou ao agradecer quando faz um gol. Por que, então, alguém se sentiria ultrajado diante da seleção do Marrocos ajoelhada em campo com os jogadores fazendo o gesto de encostar a testa no chão em honra a Alá? Puro preconceito.
Há muita beleza e significado nos rituais dos muçulmanos, assim como em suas mesquitas, nos seus cânticos nas minaretes, nas suas vestes, no Ramadã, no preparo de seus alimentos. Neste Natal, que lembremos dos ensinamentos do Menino que nasceu: “Ame ao próximo como a si mesmo”. Eu diria: conheça teu próximo. Você vai se surpreender.