As aulas de história costumam falar do antigo Egito e das terras férteis graças às cheias do Nilo. Às margens do rio mais famoso do mundo, há mais de 4 mil anos, os egípcios plantavam e colhiam. Foi a agricultura que deu poder e prestígio às muitas e lendárias dinastias de faraós.
Hoje, sendo o Nilo e seu entorno praticamente a única fonte de água do país de 100 milhões de habitantes, as cidades egípcias se tornaram um problema demográfico seríssimo. Mesmo com um território considerado grande, o povo acabou se concentrando numa estreita linha junto ao rio, principalmente mais ao norte, porque todo o resto é dominado por outro grande ícone da geografia mundial: o Saara.
Dias atrás, percorri 300 quilômetros de Aswan (Assuão) no sul do Egito até Abu Simbel, quase na fronteira com o Sudão. O choque inicial de cruzar a paisagem árida e inclemente do deserto só me fazia pensar no quanto o Brasil é abençoado: enquanto o Egito inteiro depende de um único curso de água, nossas terras são entrecruzadas por incontáveis rios, riachos e afluentes. Olhando uma foto de satélite, as águas brasileiras parecem veias e artérias irrigando um corpo vivo, forte e saudável.
Aqui no Egito, aquela imensidão de areia e pedregulhos, mesmo com a cor belíssima ao nascer do sol, dava certa tristeza por não se ver uma única árvore ou um pássaro ou uma plantação até perder a vista no horizonte.
De repente, reparei na estrada vários caminhões carregados de grandes tubulações. Perguntei ao nosso guia Ibrahim, egípcio do Cairo, para onde iam todos aqueles canos. A resposta foi uma aula de geopolítica, começando com o controverso presidente Nasser nos anos 1960 – quando criou o maior lago artificial do mundo represando o Nilo –, passou pelo reassentamento dos povos núbios e deslocamento de templos milenares até chegar aos dias de hoje com o atual presidente do Egito, Al-Sisi, também polêmico, mas inegavelmente arrojado.
Militar de carreira, Al-Sisi não parece ter outra coisa em mente a não ser criar novas regiões habitáveis no sul do Egito para que parte do povo possa morar lá no sul, diminuindo a superpopulação das grandes cidades e ampliando a área cultivada do país.
Ao nos aproximarmos da bela região de Abu-Simbel, se vê vida no deserto.Mal pude acreditar quando no meio daquele nada surgiram plantações de milho e de trigo, tamareiras e outros pomares de frutas, brotando no meio da areia como se fossem uma miragem, graças a canais e projetos de irrigação.
Conto tudo isso com o propósito de dizer aos brasileiros que parem de se queixar e fazer grande caso de complicações que, bem lá no fundo, são ínfimas. Nosso problema enquanto nação nunca foi ter de menos, mas foi talvez sermos ricos do que realmente importa: água e terra fértil em abundância. A verdade é que somos como filhos muito mimadinhos pela Mãe Natureza. Nos queixamos demais e planejamos de menos.