Num vídeo recente, o escritor Eduardo Bueno (e seu alterego histriônico, o Peninha) esculacha a Serra gaúcha — e nós, que vivemos aqui — por causa das últimas eleições. A modinha agora é falar mal de “sulistas”. Numa análise repleta de preconceito, sarcasmo, carente de números e carregada de generalizações toscas, temos ali mais um daqueles exemplos de formador de opinião que se coloca num pedestal de superioridade moral e intelectual incompatível com a realidade. Pior, o que se vê são insultos gratuitos que tocam em certos aspectos dolorosos da nossa história — e parece algo proposital.
Grande parte dos moradores da Serra gaúcha, e também de outras regiões povoadas por imigrantes alemães, poloneses e italianos, se identifica com a direita. Mas isso tem bem menos a ver com uma suposta simpatia ao “nazifascismo” e muito mais a ver com a aversão à centralização do governo, às enganações e às injustiças de um poder estatal distante daqui do sul do Brasil desde os tempos do Império. Nos muitos livros sobre imigração — indico a obra da saudosa doutora Loraine Slomp Giron —, fica bem claro que a propaganda do governo brasileiro na época não condizia em nada com as reais dificuldades enfrentadas quando os colonos chegaram aqui iludidos.
Os imigrantes e seus descendentes povoaram vales, subiram os montes, abandonados à própria sorte pelo governo brasileiro. Mesmo assim cultivaram, criaram, desenvolveram, comercializaram e prosperaram, pagaram seus tributos e empréstimos. Sofreram toda sorte de preconceito por parte daqueles que já viviam aqui e de algumas autoridades que apareciam de vez em quando: o mesmo deboche arrogante porque não sabiam falar português direito e eram incultos, tinham modos grosseiros e trajes rústicos, uma culinária nada sofisticada. E como seriam diferentes na época sem o mínimo acesso a escolas ou à informação?
Mas trabalharam muito, construíram cidades e regiões prósperas. Se orgulhavam do que produziram e colheram com seu próprio suor. Seu único amparo vinha da família onde buscavam consolo, do solo onde plantavam, da “fabriqueta” onde criavam, da capela onde rezavam. Não havia mais nada — as comunidades se apoiavam entre si. O poder central não era confiável, só dava as caras para cobrar impostos sem oferecer quase nada em troca, quando não era um elemento de opressão como nos tempos de Getúlio Vargas.
O povo daqui vê o governo central como injusto, e isso nutre o sentimento de antipatia pelas frentes socialistas que pregam um governo mais centralizador, um Estado mais inchado. Mas gente como o Eduardo Bueno prefere sempre uma explicação simplória sobre o nosso povo — são “bregas”, são “retrógrados”, são “ridículos”. Mal conhece o que insulta. No fundo, dá peninha mesmo: quem só consegue insultar geralmente não está bem consigo mesmo.