Pouco mais de um ano após assumir rodovias da Serra Gaúcha e Vale do Caí, a Caminhos da Serra Gaúcha (CSG) já está propondo uma revisão do contrato. E a justificativa é que se alteraram totalmente as condições que basearam a montagem do contrato de concessão iniciado em 31 de janeiro de 2023. De acordo com o diretor-presidente da companhia, Ricardo Peres, a sequência de eventos climáticos extremos dos últimos meses é a principal causa desta mudança.
Em entrevista à coluna, ele avalia positivamente o trabalho feito pela empresa e entende que as estradas da região teriam problemas ainda maiores se não fosse a concessão. No entanto, segundo Peres, os gastos extras com a recuperação dos trechos atingidos pelas intempéries, a suspensão da cobrança e a necessidade de pensar em novas obras para enfrentar a mudança no comportamento do clima já causam um desequilíbrio no contrato.
Ele ainda revela que um contato prévio com o Estado para tratar da situação já foi estabelecido e admite que uma demora na definição pode atrapalhar o cronograma de obras de grande porte nas vias concedidas, que deveriam começar já nos próximos meses.
Que avaliação geral a CSG faz do trabalho e do desempenho da companhia no atendimento às situações que surgiram neste período de chuva extrema?
Logicamente que foi fora do normal e de qualquer histórico que se pudesse ter, e a gente teve uma série de demandas aqui no nosso trecho. Nos 271 quilômetros atendidos foram aproximadamente 120 ocorrências entre deslizamentos e alagamentos, que chegaram a parar o tráfego na nossa concessão. A gente atuou rapidamente e já no sábado depois do 2 de maio conseguimos restaurar a ligação da Serra com o Vale do Caí, que estava interrompida, e também o norte de Caxias foi restabelecido no mesmo final de semana. E muita coisa que aconteceu só não foi pior pelo trabalho de cuidado com a drenagem da rodovia.
Por mais que o nível de chuva tenha sido muito fora do normal, o nível de problemas surpreendeu vocês?
Esse acontecimento foi totalmente fora de previsão. O termo jurídico que a gente usa para isso aí é força maior, porque é realmente uma coisa que não tem como prever e muito menos planejar qualquer ação desse tipo. O que aconteceu ali foram bloqueios totais em vários pontos da rodovia, por situações impossíveis de se prever.
Levando em conta a situação inicial da rodovia, se ela estivesse do jeito com que foi recebida, vocês entendem que os danos seriam muito maiores?
Não tem dúvida. Até comparando com trechos de rodovias no entorno, que não têm concessão, você percebe que o estrago lá foi muito maior. Você pode pegar a 116 ou a 470, entre Bento e Nova Prata, e a gente percebe a diferença que fez, e aí dá para entender que a causa disso é o cuidado que você teve com a estrada antes.
A partir disso, e principalmente no que se refere a encostas, vocês já pensam em um novas ações, em um mapeamento mais amplo? Como o que aconteceu deve impactar o trabalho futuro de vocês?
A gente está em contato com o governo do Estado, porque a situação mudou completamente. O que a gente percebe muito é que a rodovia como ela está, ou da maneira como ela foi projetada, tem muita coisa que já não atende mais nos aspectos hidrológico e geológico também. Então a gente está tentando montar algum estudo em parceria com o governo e mostrar que a situação mudou, e verificar como poderia se atuar para tentar prevenir alguma coisa parecida com o que aconteceu agora. Por exemplo, principalmente ali entre Montenegro e Capela de Santana, a gente percebe que a altura das pontes e aterro da rodovia estão em um ponto não ideal. Quando você vai fazer um projeto de rodovia, olha-se para o passado e verifica-se qual foi a cota de chuva que teve em um prazo específico, e se planeja em cima daquilo. E a gente percebe que isso saiu do normal nesses últimos dias, e todo o histórico que você tinha há 10 ou 20 anos é muito diferente do que você olha hoje. Então a rodovia talvez precise passar por alguma reconformação, pela situação da natureza de modo geral.
E essa possibilidade de uma reforma mais ampla envolveria também uma repactuação do contrato e do equilíbrio dele?
Não tem dúvida, até porque a situação do contrato hoje, se for analisar, já está desequilibrada. A gente tem mais ou menos 30 dias que não está sendo cobrada a tarifa do pedágio, por uma questão de impossibilidade no começo de maio, e tem todas as emergências que tivemos que cuidar e que fogem de qualquer tipo de planejamento. Então, o contrato hoje não está no equilíbrio de quando a gente assumiu a concessão, e qualquer coisa a mais que a gente vá fazer, você desequilibra ainda mais.
E o Estado foi receptivo a esse debate ou ainda não se iniciou essa conversa?
Foi muito preliminar, porque a gente está com a cabeça baixa, por assim dizer, trabalhando para resolver essas emergências e fazer a liberação do fluxo das nossas rodovias, mas ainda tem muito trabalho para voltar ao patamar em que estávamos. E o governo está do mesmo modo, já que a situação do Estado como um todo é difícil. Então, a gente teve alguma conversa muito preliminar ali com a Secretaria de Parcerias e Concessões e tem muita coisa ainda para conversar, para entender a situação do contrato de momento, que como eu falei já estaria desequilibrado, e tentar buscar a solução para voltar o equilíbrio que se estava e, se possível, até pensar em alguma outra coisa adicional.
E esse reequilíbrio poderia ser por meio de aumento de tarifa ou por ampliação de tempo de contrato? Há uma ideia de como isso poderia ser?
Os modos clássicos de reequilíbrio podem ser por meio de ampliação do prazo do contrato além dos 30 anos, ou se pode fazer um deslocamento no tempo ou ampliação do prazo das obras previstas. Você também pode trabalhar com a tarifa, apesar de ela já estar em um nível meio alto. E tem uma outra possibilidade, que está fora do contato, que poderia ser a entrada de algum recurso do Estado. São várias possibilidades para se buscar o equilíbrio do contrato.
Havia obras previstas para começarem no segundo semestre, como a duplicação entre Farroupilha e Garibaldi e do contorno norte de Caxias. Já é possível um atraso dessas ações?
É bem provável que atrase um pouco. Como eu falei para você, a gente está com a cabeça baixa, resolvendo essa situação emergencial, mas é uma possibilidade sim. Tudo vai depender de como é que a gente pode conduzir esse reequilíbrio do contrato. Na verdade, o momento do início das obras não é determinado, e o que a gente tem programado no contrato é o momento da entrega. Então, os primeiros trechos, que são o contorno de Caxias e a 453 entre Garibaldi e Farroupilha, são para entregar até o final do terceiro ano da concessão, que seria até o final de janeiro de 2026. A gente está trabalhando com o projeto executivo desses dois trechos, com sondagens e topografia, e isso segue independentemente de qualquer coisa.
E já há previsão da volta da cobrança nas praças de free flow?
Não. A gente interrompeu a cobrança em 1º de maio, e tomou essa decisão unilateralmente, pois naquele momento não fazia sentido você cobrar o pedágio em um trecho totalmente interrompido. As pessoas muitas vezes passavam pelo pórtico tentando seguir um caminho, e quando chegavam ali na frente estava interrompido, e aí elas tinham que voltar e pagar o pedágio de novo, em uma coisa sem sentido nenhum. Por isso a gente decidiu interromper, e na sequência outras concessionárias também tomaram a mesma posição. Agora a gente depende de acertar com o governo qual seria o momento de voltar, porque a cada dia que você não cobra o desequilíbrio vai aumentando. É difícil imaginar, mas eu penso que do começo de junho não deve passar.