O norte do RS vive uma crescente nos casos de desmatamento: de 2019 a 2023, mais de 16,9 milhões de metros quadrados de mata nativa foram destruídos na região, entre os biomas Mata Atlântica e Pampa. A área equivale a 1.564 campos de futebol oficiais.
Os dados levantados por GZH são da plataforma Mapbiomas, que reúne todos os alertas disponíveis para o território nacional e cruza com autorizações de supressão de vegetação e embargos, envolvendo universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. A cidade com mais alertas no período é Aratiba, com 38 ocorrências, já a com maior área desmatada é Soledade, com cerca de 81,7 hectares.
Os dois municípios voltaram a registrar casos do crime ambiental em 2024. O mais recente foi na terça-feira (27), quando o 3° Batalhão Ambiental da Brigada Militar (BABM) flagrou 42,6 mil metros quadrados de vegetação nativa destruída no interior de Soledade.
Parte do desmatamento atingiu uma Área de Preservação Permanente (APP), destruindo árvores das espécies vassoura, angico, aroeira, canela, guamirim, pinheiro-bravo e pitangueira. Os policiais constataram que não havia autorização para o manejo florestal na área, assim o proprietário responderá por crime ambiental; durante a operação, duas escavadeiras hidráulicas e dois tratores de esteira utilizados no desmatamento foram apreendidos.
Em Aratiba, município que faz divisa com Santa Catarina, mais de 2,2 hectares de Mata Atlântica foram derrubados no início deste mês. A área era usada para criação de gado e o responsável também não tinha licença ambiental.
Reforço na fiscalização
Para tentar coibir esses casos, desde 2012 o município de Soledade conta com um Departamento Ambiental que acompanha de perto todos os pedidos de alvará e todas as denúncias de desmatamento em parceria com o BABM. Conforme a diretora de Meio Ambiente do departamento, Luana Scherer, os alertas do Mapbiomas também pautam a atuação do setor, que foca na conscientização sobre a importância das licenças e em facilitar o acesso a essas informações.
— A demanda pelas licenças ambientais é grande, e mesmo assim ainda tem muito desmatamento. Mas não é por falta de conhecimento das pessoas, porque trabalhamos bem a divulgação — explica a diretora.
De acordo com Luana, uma das hipóteses para o aumento de flagrantes em Soledade é a falta de convênio do município para emissão das autorizações. Desde o ano passado, os moradores precisam fazer a solicitação exclusivamente à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Mas a situação deve ser normalizada nos próximos meses, uma vez que a prefeitura já trabalha para firmar um novo convênio. Ainda assim, o Departamento Ambiental faz todo o acompanhamento e orientação aos interessados, em especial com os moradores da zona rural, onde se concentram os casos de desmatamento.
Essa característica do local da destruição não é exclusiva de Soledade, já que segundo informações do 3° BABM a maioria dos crimes acontece mesmo em propriedade rural. Por isso, no fim de janeiro a Fepam deu início à Operação Tekohá, com o objetivo de autuar proprietários rurais envolvidos em crimes de desmatamento.
A ação vem após denúncias enviadas pelo Ministério Público do RS. Os valores das multas variam de R$ 1,3 mil a R$ 9 mil por hectare devastado, dependendo se o crime foi cometido no bioma Pampa ou no bioma Mata Atlântica.
— As ações são sempre fruto de denúncias, da atuação de inteligência policial e muitas operações integradas com diversos órgãos, a fim de potencializar a atuação e, ao mesmo tempo, colaborar com a redução de diversos outros crimes que não só os de âmbito ambiental — esclarece o comandante do 3° BABM, tenente-coronel Alessandro Bernardes.
Somente em 2023, o batalhão constatou um aumento de 113% nos desmatamentos em toda a área de atuação. Durante as operações, mais de 27 mil pessoas foram abordadas, o que também representou aumento de 49% em relação ao ano anterior. Houve ainda um aumento de 70% na apreensão de madeira.
Tecnologia e reflorestamento
Entre os 128 municípios do norte gaúcho analisados no levantamento de GZH, foram 1.025 alertas registrados na Mapbiomas e mais de 1.690 hectares desmatados. Apenas 16 cidades não registraram casos: Barra Funda, Carazinho, Engenho Velho, Estação, Jacutinga, Lagoa dos Três Cantos, Não-Me-Toque, Nicolau Vergueiro, Ronda Alta, Santa Cecília do Sul, Santo Antônio do Planalto, São Pedro das Missões, Selbach, Tapejara, Tapera e Vila Lângaro.
Além de equipes capacitadas, a tecnologia é um diferencial que tem auxiliado os policiais, o que ajuda a explicar o aumento no número de flagrantes.
— O georreferenciamento dá uma noção da situação dos locais. O drone amplia a possibilidade das constatações, principalmente em locais de grande extensão territorial ou de difícil acesso — avalia o comandante do 3° BABM.
Após os flagrantes, os casos são encaminhados para o Ministério Público. Conforme o tenente-Coronel Alessandro Bernardes, é nesta fase que o motivo do desmatamento costuma ser descoberto: para plantio, criação de gado ou construção de imóveis, geralmente.
Além de pagar a multa prevista ou ter a pena de detenção decretada — entre um e três anos —, quem cometeu o crime ambiental também precisa fazer a recuperação da área. Em Soledade, o processo deve ser feito sempre com espécies nativas e pode acontecer de duas formas, como explica a diretora de Meio Ambiente do Departamento Ambiental de Soledade:
— Quando é irregular, a recuperação tem que ser feita na mesma área desmatada. Já quando a pessoa tem alvará para suprimir, a compensação com o plantio de mudas nativas é realizada em outra área.
Mas para evitar problemas, a principal orientação dos órgãos é de que as pessoas façam o pedido de licenciamento. O primeiro passo é encaminhar a solicitação de Licença Prévia para estudo da área e avaliação da viabilidade do manejo. Para supressão de vegetação nativa, é necessária uma licença específica. Então o indicado é que a população busque as Secretarias do Meio Ambiente de seu município ou a própria Fepam antes de suprimir a vegetação.